"Como sempre (e, como sempre, várias pessoas sensíveis de quem gosto ficarão ofendidas), a delegação da democracia-por-vir não foi convidada" - Slavoj Žižek.
domingo, 23 de maio de 2010
Porque a psicanálise é uma ciência materialista (e maoísta)?
quarta-feira, 19 de maio de 2010
Elogio à mobilização carcerária.
sexta-feira, 7 de maio de 2010
Pena e Guerra: Tobias Barreto como profeta dos novos tempos.
domingo, 2 de maio de 2010
Fiel à Cuba, contra o stalino-trotskismo.
É possível identificar claramente o que significa a postura de um troskismo mal-digerido e como Trotsky e Stalin podem parecer dois lados de uma mesma moeda, chegando as vezes a parecerem uma única e mesma pessoa sofrendo de esquizofrenia crônica. Que assim seja vemos na argumentação anti-castrista de nossos camaradas do PSTU quando do evento da morte do senhor Orlando Zapata.
O que une os dois, os gêmeos Trotsky-Stalin, é o próprio significante "Traição". Enquanto a postura stalinista básica é julgar aqueles que, não aceitando a visão "objetiva" que a cúpula do partido dava sobre a realidade, e não se engajando na "razão histórica universal" (Tal como anunciava o PC da URSS) são considerados prontamente como traidores. Os expurgos stalinistas são assim o exemplo típico de Carnaval: os papéis são subitamente invertidos por uma suspensão da ordem posta pela própria ordem: quem ontem era membro da cúpula do partido, hoje é julgado e condenado, amanhã é expulso, etc.
Tudo isto pela mobilização do significante "Traição" que, sob a visão stalinista, era traição não exatamente ao partido, mas à razão histórica universal (cuja lógica era pretensamente acessível somente a Stalin e seus amigos menscheviks da burocracia econômica).
Ora, que é o trotskismo mal-digerido de que falei senão a postura simetricamente oposta? Aquela que vê traição em tudo, que se sente traída em tudo? Ou seja, de outro lado quando posto a julgamento, quando questionado quanto aos princípios pelos quais está lutando, o “trotskismo” [enfatizando as aspas por justiça à pessoa de Leon Trotsky] prontamente julga como traidor agora quem dirige os rumos da revolução. Não é a toa que por vezes os papéis assim concebidos de Trotsky e Stalin se invertam.
Que está em jogo, por exemplo, quando os camaradas do PSTU sustentam e reforçam a idéia de que o regime cubano "Traiu a revolução", pondo toda a política castrista no banco dos réus? Que é isto senão uma postura analogamente carnavalesca da esquerda que suspende sua idenficação com a própria esquerda para gerar um efeito de “ser mais de esquerda do que a esquerda”?
O que fica mais evidente é como o significante "socialismo" é manejado de forma bastante dúbia. Em primeiro lugar é evocado claramente que o que há em Cuba não é socialismo. Ótimo, mas então que é socialismo? Não é exatamente este trotskismo que rejeita absolutamente qualquer experiência real de estado revolucionário em nome deste ‘socialismo-que-nunca-é’? Mas como é o nome da atitude racional que “salva” um princípio de pureza de toda “contaminação tóxica” encontrada na realidade empírica? Resposta: idealismo metafísico.
Ressalto: idealismo metafísico porque sequer o idealismo hegeliano seria capaz de argumentar desta forma. É do próprio Hegel a noção de que uma “boa idéia” que não se aplica à realidade é, na verdade, uma má idéia, uma idéia ruim ou mal acabada. O que está em jogo, portanto, na argumentação do PSTU é a salvaguarda de um “socialismo” metafísico-transcendental que se sustenta numa postura de crítica histérica de demandas impossíveis contra as experiências reais. O que acontece é uma lógica perversa, no pensamento, que acaba resultando no extremo oposto daquilo que os próprios camaradas do PSTU tentam defender: o transcendental-socialismo dos nossos camaradas acaba tendo por determinação própria, quer dizer, acaba requerendo por sua própria lógica interna, a crítica histérica contra os regimes socialistas reais. Em outras palavras: o ideal de socialismo, o transcendental-socialismo é o produto (e não a fonte) da crítica indiscriminada contra toda e qualquer experiência real de socialismo e, o que é mais importante, é concebido como um ideal puro e não como um processo de sua própria realização.
Aqui, no ideal de pureza socialista, é notável como mais uma vez Trotsky e Stalin se tornam uma única e mesma coisa. Em suma, o que é comum aos dois não é só o significante “traição”, mas este significante mobilizado em sua articulação com o transcendental-socialismo. Trotsky e Stalin são, neste sentido, duas visões suplementares e indissociáveis que divergem no ponto específico em que se procura encontrar ‘onde está a traição ao transcendental-socialismo’. Mas esta traição, em si, não é questionada. O transcendental-socialismo e o perigo de sua traição permanecem tal e qual tanto no stalinismo quanto no trotskismo. Para ambos a análise empírica da realidade poderia se resumir no seguinte axioma: se há socialismo real há traição. Neste sentido vemos uma simbiose muito estranha entre uma certa apropriação de Trotsky e o fukuyamismo da esquerda que prega o fim da história.
Toda revolução real, deve ser concebida como o processo de lidar com os antagonismos reais existentes a partir da mobilização de militantes castrados (ou militantes-mutilantes) quanto ao ideal revolucionário que põem para si mesmo. Toda revolução real é um processo em que um número virtualmente infinito de pessoas se mantém fiel a um ideal revolucionário que lhes exige castração, sacrifício, disciplina e vigilância. O parâmetro para nossos julgamentos deixa de ser, assim, o transcendental-socialismo stalino-trotskista e passa a ser o processo real e vigente de construção do socialismo na medida em que o poder instituído consegue com maior ou menor sucesso, mobilizar o maior número de militantes nesta fidelidade à castração, fidelidade esta que empresta seu nome, em Cuba, ao próprio líder e comandante-em-chefe da revolução cubana, Fidel Castro.
A fidelidade à castração de Fidel Castro é, assim concebida, um processo de resistência socialista contraditório e antagônico sim, é verdade, mas que também não permite que nós, socialistas latino-americanos, encaremos o regime cubano como o inimigo. Nisto, encontraríamos vários "aliados" na corja liberal-tolerante da democracia-por-vir. Estes são nossos inimigos. Estes não são fiéis à castração que seus próprios ideais políticos fizeram emergir historicamente com as figuras memoráveis de seus heróis. (Ao contrário eles guilhotinaram os últimos revolucionários fiéis à revolução francesa: Robespierre e Saint-Just). Estes são nossos inimigos comuns. Estes nos definem como esquerda, por servirem de modelo de como não ser. E contra eles, sou fielmente castrista!