sábado, 24 de julho de 2010

De que importa Alain Badiou? (Breve rascunho sobre a Verdade.)

Alain Badiou, filósofo francês contemporâneo vem se destacando na construção de uma filosofia que recupere o ideal emancipatório há algum tempo abandonado pelos filosofos - em especial os franceses - e que trazia por nome a palavra comunismo.

O projeto filosófico de Badiou, contrariamente às tendências filosóficas dos últimos 30 anos, de matriz francesa, a chamada "nova filosofia", se preocupa eminentemente com as condições de um pensamento filosófico livre (ou seja, não constrangido por nenhum limite externo a não ser os limites internos que sua própria lógica impõe sobre ele) que, por óbvio, deve caminhar lado a lado com um projeto político emancipatório que, em última instância, crie condições concretas de o pensamento ser, de fato, livre.

Aqui, no campo filosófico, Badiou enxerga muito lucidamente o que é o problema contemporâneo da filosofia: a reinvenção da Verdade, da idéia de verdade, descartada por esta mesma filosofia francesa como algo intrinseca (e talvez ontologicamente) totalitária. Mas sem uma noção de Verdade não é possível nem pensamento filosófico, nem projeto político emancipatório concreto (ou seja, organizado).

Badiou está com a Verdade.

Badiou parte portanto de uma noção bastante interessante. Reinventar a Verdade significa rediscutir sua validade e sua força. Uma Verdade não pode ser algo simplesmente Universal como que externa às particularidades (ou melhor, às singularidades) que a ela se subordinam. (esta é a verdade totalizante para qual aponta todo o fetichismo pós-moderno). Tampouco a Verdade pode ser algo estritamente singular e, portanto, identitária como nos aponta a filosofia (esta sim totalitária) do multiculturalismo e suas nuâncias comunitaristas e liberais.

Uma Verdade é sempre uma singularidade universal.

A Filosofia é a forma lógica de aparecimento de uma Verdade que surge, originariamente, sempre como um Evento singular que descarrila a lógica precedente do pensamento universal. Em outras palavras, a filosofia mapeia as regras universais do pensamento lógico, com base em Eventos singulares que colocaram em xeque a lógica racional precedente (ou o pensamento universal precedente). Estes eventos são sempre de 4 ordens (ou como diria Zizek, principal interlocutor de Badiou, eles são de "3 + 1" ordens): A ciência; a arte; a política e, finalmente, o amor.

Assim, a filosofia (e aqui Badiou é claramente hegeliano na medida em que aceita abertamente o fato de a filosofia ser a "capacidade racional do gênero humano") recolhe eventos descobertas, e invenções das artes, das ciências, da política e/ou do amor para mapear as regras universais do pensamento humano.

Mas porque Zizek faz a ressalva de que estas 4 ordens de eventos são, na verdade 3 + 1? Porque a forma como estes Eventos (Descobertas, invenções, criações etc) aparecem e se organizam internamente ao procedimento-verdade a que correspondem tem por matriz o Amor. Ou seja, destas 4 "formas" do evento, o Amor é a "forma" que atravessa todas as outras. Como?

O Amor nada mais é do que um encontro que arranca o sujeito da continuidade monótona do cotidiano criando um abismo na e para a Razão, para o continuismo lógico e confortável da rotina. Mas enquanto isto o Amor não é ainda "para si" (se me permitem cruzar duas filosofias). O Amor se "completa" quando nos mantemos fiéis a este encontro, ou seja, quando aceitamos plenamente o abismo que se abre diante de nós e, a partir daí, reconstruímos a lógica do mundo e ressignificamos o mundo, sem exceções, a partir deste encontro. Nisto consiste a mágica do Amor. O mundo, embora esteja lá como sempre esteve, nunca mais é o mesmo. E a fidelidade consiste em jamais trair esta máxima, em jamais tergiversar ou agir cinicamente contra este "algo a mais", este aroma diferente no ar que preenche o mundo.

Em síntese: a matriz lógica (e portanto racional do amor) é a de um encontro com o inominável que obriga a refundação da racionalidade reflexiva do agir no mundo em caráter de fidelidade. Nisto a ciência, a política e a arte agem segundo a mesma matriz. Uma hipótese científica que descarrila a lógica paradigmática (para usar um termo em moda) precedente só pode representar um avanço epistemológico se os cientistas agem por amor e por fidelidade à hipótese. Uma política militante organizada (a única política que existe, o resto não é política, mas polícia) também é o processo de fidelidade (e amor) a uma hipótese política que põe em xeque as regras do stablishment estatal. E a arte também é a sucessão de obras fiéis a(e cheias de amor por) uma hipótese artística em ruptura com a estética do status quo.

A Verdade é aquilo que se cria no processo em que esta fidelidade organiza e alinha as coisas do mundo, as positividades do mundo em que ela opera, de forma a validar e comprovar a hipótese. Tal como São Paulo, apóstolo e militante, saiu em busca da validação da hipótese da ressureição por amor ao Evento chamado Cristo. E é claro que este processo (como também nos aponta a matriz do Amor) é infinito. O que não quer dizer que processos de verdade não se esgotem, por forças reacionárias externas, por sujeitos deste processo que resolvem traí-lo, ou pela totalização deste processo na figura de um sujeito que se arvora no direito de constituí-lo a despeito dos demais sujeitos envolvidos.

Mas o crucial desta concepção (amorosa) da Verdade, como um singular Universal é a compreensão da lógica dos fracassos. Todo este raciocínio de Badiou é fundamental para entender que um fracasso de um projeto político, científico e artístico (+ amoroso) nunca é um fracasso tautológico ou universal. Ou seja, não se pode explicar o fracasso com base num "deu errado porque tinha que dar errado mesmo... estava óbvio desde o início"; tampouco com base em um "deu errado porque esta idéia de comunismo/o surrealismo/o teorema de Fermat/o amor é impossível".

Todo fracasso que diga respeito a um destes processos pode ser explicado a partir de um ponto singular em que, no processo, as coisas tomaram o caminho errado. E com isso, abre-se o debate sobre o fracasso dos SOREX (socialismos realmente existentes): a hipótese comunista deve ser abandonada? Se sim, como explicar que um Evento político em processo de verdade se distingue radicalmente de um evento científico, por exemplo? Quer dizer que o Teorema de Fermat, a qual a matemática deve grande parte de seus desenvolvimentos, e precisamente por causa dos sucessivos fracassos em comprová-lo (até que Wilies o fez há alguns anos), deveria ter sido abandonado há 3 séculos atrás?

Amemos a hipótese comunista. E sejamos os únicos capazes de amar e compreender a lógica do fracasso das formas concretas de sua existência histórica.

A Verdade voltou!

quinta-feira, 1 de julho de 2010

Uma resposta: em defesa de Georges Politzer, Plínio de Arruda Sampaio e do Psol.

Uma amiga me monstrou este link de um blog chamando o Psol de partido neo-stalinista com base na opção do partido em recomendar a leitura de um livro de Geoges Politzer chamado "Princípios elementares de Filosofia".: http://diariogauche.blogspot.com/2010/07/seria-o-psol-um-partido-neo-stalinista.html

Fiz uma resposta o mais cordial possível por achar que é um debate que traz uma série de formulações muito caras aos movimentos emancipatórios hoje.

Aqui vai:

A Crítica é falha pelo seguinte:

Em primeiro lugar a crítica desconsidera que quase todo o marxismo brasileiro foi stalinista. E isso por um motivo muito simples: a doutrina marxista que chegou ao brasil chegou pelas mãos do Partidão com orientação ideológica do marxismo oficial. São poucos os marxistas não-stalinistas no Brasil. Em segundo lugar que quer dizer quando se diz que um livro é stalinista? Que existe uma "essência" totalitária na teoria? O problema desse argumento é que ele cai numa espécie de "armadilha ontológica". O Stalinismo vulgarizou em grande parte, é verdade, o marxismo. Mas isto de forma nenhuma quer dizer que as contribuições stalinistas ou os alinhamentos teóricos stalinistas (e o mais famoso deles é o Lucácks de História e Consciência de Classe) sejam por si só ruins e deterministicamente totalitários enquanto objeto de estudos e reflexão.

Em segundo lugar: algumas coisas não foram ditas em relação ao Politzer. Em primeiro lugar, quando ele diz "esta obra que sequer foi escrita pelo Politzer" ele dá a entender que se trata de um fato contingente, que das obras de filosofia marxista do politzer, entre tantas, esta especificamente é uma compilação de anotações de alunos dos seus cursos de filosofia marxista. Mas o problema é que este compêndio de filosofia marxista foi uma "compilação de anotações" justamente porque foi resultado do trabalho de Georges Politzer na Universidade Proletária, projeto militante francês de intelectuais marxistas que ministravam cursos básicos de formação em filosofia para operários e abertos também ao público estudantil. E portanto a estrutura da obra é eminentemente oral (como diga-se de passagem são os seminários de Lacan) como todas as obras de Politzer resultantes de seus cursos de filosofia na Universidade Proletária. O que é claro faz concluir que muito provavelmente o que nosso querido crítico enxerga como a vulgarização da filosofia marxista, nada mais é do que o curso militante oferecido pelo franco-húngaro, juntamente com outros intelectuais marxistas, a trabalhadores de chão de fábrica da franca na década de 40 (até que de Gaule proibiu as atividades da referida Universidade) e omitido por ele na sua crítica.

Outro fato que, se bem não tem a ver com o caráter stalinista ou não da teoria marxista de Politzer, ainda é importante demais para ser omitido, é que Politzer foi um dos responsáveis pela promoção da psicanálise na frança e considerado pelo próprio Lacan (já que falei do método oral comum tanto aos Princípios Elementares de Filosofia quanto aos seminários lacanianos) um mestre através do qual o psicanalista francês teve seu primeiro contato com a obra freudiana e o saber psicanalítico. Este fato, ou antes a omissão dele, faz da crítica ao Politzer como um pensador vulgar ela própria uma crítica vulgar. A importância do pensamento de Politzer como intelectual militante para a história do pensamento francês no século XX vai um pouco além da mera panfletagem tosca e acrítica do regime stalinista.


Em terceiro lugar: não sei se o nosso crítico é ele próprio um petista envergonhado, coisa muito comum hoje em dia. Mas que fique claro, os desvios do PT não tem absolutamente nada a ver com formulações stalinistas do marxismo. Por isso não faz o menor sentido dizer que "Nem o PT, com todos os seus desvios de percurso, chapinhou na lama enganosa do marxismo vulgar do stalinismo." O PT não chapinhou na lama enganosa do marxismo vulgar do stalinismo, porque o PT há muito tempo não chapinha no marxismo, seja ele trotskista, stalinista, leninista, castrista, guevarista, maoísta etc. E isso simplesmente porque o PT não está construindo uma estratégia revolucionária rumo ao socialismo, mas gerindo a pós-política tão comumente propagada após a queda do muro.

Por último, quando ele pergunta "Será que o velho Plinião, candidato à presidência da República pelo partido neo-stalinista, sabe disso?", sinceramente eu não sei. Não tomei café da manhã com o Plínio. Mas arriscaria a resposta "sim, e daí?". O Plínio não é só um testa de ferro, um instrumento de manobra na mão de um partido controlador. Dizer isso é faltar com respeito à própria figura do Plínio cuja sabedoria teórica no campo do Marxismo vai da economia política marxista, da filosofia marxista ortodoxa, passando pela teologia da libertação até os filósofos marxistas contemporâneos (como Zizek, de quem o Plínio traduziu alguns textos; e Alain Badiou, a quem ele cita frequentemente nas entrevistas e debates). Plínio não é uma peça de museu com importãncia estratégica no tabuleiro político. Ele pensa a política do seu partido. Ele sabe.

E se o Plínio está num partido que recomenda a leitura de uma obra tão importante na história do pensamento e da militância socialista, é porque seu partido está construindo uma estratégia revolucionária rumo ao socialismo, projeto que o PT abandonou há muito tempo. E é por isso, e somente por isso, que o "nem o PT" recomenda a leitura de Geoges Politzer, de Lucácks ou dos textos sobre linguìstica do próprio Stalin.

De qualquer forma, só é possível evitar o stalinismo incorporando o fracasso das suas experiências mal sucedidas e a legitimação teórica-ideológica que as sustentaram. Este discurso de "evitar o mal maior virando as costas para o que pode ser o seu germe" é a mesma postura de Habermas/Bento XVI de evitar o mal maior da dissolução ética do homem virando as costas para a biogenética, fingindo que ela não existe. Postura teoricamente incontinente e politicamente conservadora.

domingo, 23 de maio de 2010

Porque a psicanálise é uma ciência materialista (e maoísta)?

Recentemente foi resgatada a crítica pretensamente materialista à epistemologia da psicanálise, comparando-a a homeopatia e questionando sua validade enquanto ciência, aproximando-a de um saber religioso. A obra é de Michel Onfray, seu último livro polêmico, Le Crépuscule d'une idole, l'affabulation freudienne. O argumento não é nada novo e parece realmente dominar um grande setor da esquerda. Mas da onde vem o preonceito metodológico à epistemologia e clínica psicanalítica? Sobretudo, porque frequentemente ele se aponta como uma "crítica materialista"?

Para responder a essas perguntas, em se tratando de um ataque à epistemologia da psicanálise, onde encontramos uma teoria do conhecimento na psicanálise? Ou, o que não é a mesma coisa, de onde a psicanálise retira sua teoria do conhecimento?

No dia 16 de agosto de 1893, falece em Paris o Dr. J.M. Charcot, Médico, Psiquiatra e Mestre de Sigmund Freud. Em ocasião do fato, Freud publica, em agosto do mesmo ano, um texto em homenagem ao trabalho clínico e teórico de Charcot, em especial pela sua influência para a fundação da psicanálise. Como indica Freud, Charcot teria sido o primeiro a se debruçar sobre uma série de quadros psiquiátricos ignorados pela psiquiatria e pela medicina teórica da época. Dentre eles, Charcot foi o primeiro a perceber que os sintomas histéricos, manifestos em grande parte no corpo (paralisias, tiques, etc), estavam ligados a encadeamentos lógicos de representações do paciente que remontavam a um fato ocorrido na vida do paciente. Fato este de que raramente se lembravam os histéricos e histéricas. De sorte que estes encadeamentos inconscientes revelavam uma recusa do eu do paciente em lidar com o fato ocorrido. O fato, permanecia assim, velado ao eu do paciente, porém ainda presente por meio destas representações "encarnadas" no sintoma corpóreo.

Mas se os resultados das pesquisas de Charcot (em grande parte por meio do método hipnótico) deslumbravam Freud, por óbvias razões, não menos o deslumbrava o método empregado por Charcot. Segundo Freud, o médico francês "acostumbraba considerar detenidamente uma y outra vez aquello que no lê era conocido y robustecer así, dia por dia, su impresión sobre ello hasta um momento em el qual llegaba de súbito a su compreensión. Ante su visión espiritual se ordenaba entonces el caos, fingindo por el constante retorno de los mismos sintomas, surgiendo los nuevos cuadros patológicos, caracterizados por el contínuo enlace de ciertos grupos de síndromes. Haciendo resaltar, por medio de cierta esquematización, los casos complejos y extremos, o sea los “tipos”, pasaba luego de éstos a la larga serie de los casos mitigados; esto es, de las formes frustrées, que, teniendo su punto inicial en uno cualquiera de los signos característicos del tipo, se extendían hasta lo indeterminado"*.

Em suma, o método charcotiano se resumia à tríade "observação clínica - conceitualização - inferência clínica". Ou seja, o método charcotiano, e sua teoria do conhecimento, se tratava de um processo que tinha por origem e finalidade a prática clínica, mediados (origem e fim) pela conceitualização teórica (enquadramento conceitual das síndromes) a que Charcot chegava por meio de uma certa "visão espiritual", segundo Freud.

A ênfase deste método na prática é explícita."Charcot no se fatigaba nunca de defender los derechos de la labor puramente clínica, consistente en ver y ordenar, contra la intervención de la medicina teórica". Quando um de seus discípulos, certa vez, lhe dirigiu a seguinte demanda "isso não pode ser, pois contraria a teoria de Young-Helmholtz", o mestre lhe respondeu "La théorie c'est bon, mais ça n'empeche d'exister", ou seja, a teoria é boa, mas isto não deixa de existir: sendo este isto aquilo que é capturável apenas pela vivência (e convivência) clínica, aquilo que não está mapeado em nenhuma teoria pré-estabelecida.

Em outras palavras, todo método charcotiano consistia na observação sistemática realizada pela prática clínica dos fenômenos frequentemente ignorados pela medicina teórica, e ignorados porque não podem ser explicados em concordância com os pressupostos básicos de tal ou qual teoria. Estes fenômenos são então sistematizados posteriormente por meio de um trabalho teórico de forma que se encontrem as relações mais íntimas entre eles de forma que acabem constituindo, uma porção deles, um só quadro sintomal, uma só "síndrome". O que então permite o retorno à prática para reordenar os fenômenos e ajudar na melhor compreensão das formes frustrées os sintomas que frustravam o enquadramento conceitual, que resistiam à racionalização (ou simbolização). Tudo se passa, para Charcot, como se houvesse duas dimensões irredutíveis entre si no conhecimento: a dimensão prática/clínica, e a dimensão teórica. Duas etapas do conhecimento que jamais se confundem, mas que não existem independentemente uma da outra.

Mas onde mais encontramos uma postura "antiteórica" similar e que, surpreendentemente recorre à mesma tríade prática-teoria-prática proposta por Charcot? E inclusive postulando um mesmo corte no saber, entre as dimensões prático-perceptiva e teórico-conceitual? A resposta deve ser imediata: em Sobre a Prática de Mao Tsé-Tung. Como demonstra a introdução de Mao ao texto de julho de 1937: "havia um certo número de camaradas em nosso Partido que eram dogmáticos e que por um longo período rejeitaram a experiência da revolução chinesa, negando assim a verdade de que o Marxismo não é um dogma, mas um guia para a ação".**

Mao não só rejeita a postura dogmática ou teoricista de alguns camaradas de partido como também funda uma teoria materialista do conhecimento fundada na mesma noção de observação de fenômenos - teorização/conceitualização - inferência prática. É inclusive repetido o tema charcotiano de retorno à prática para a melhor compreensão das formes frustrées (literalmente: formas frustradas). Como diz Mao "se um homem deseja ser bem sucedido em seu trabalho, isto é, atingir resultados antecipados, ele deve fazer suas idéias corresponderem com as leis do mundo externo objetivo; se elas não correspondem, ele fracassa em sua prática. Depois de fracassar, ele aprende suas lições, corrige suas idéias para fazê-las corresponderem às leis do mundo externo, e pode assim transformar fracasso em sucesso; é isto o que quer dizer 'o fracasso é a mãe do sucesso'".

Mas alguém poderia objetar: que Mao e Charcot estejam de acordo em construir uma teoria do conhecimento baseada na tríade prática-teoria-prática em que o fracasso prático se põe como um desafio teórico que tem como finalidade melhorar a prática, transformando frustração em sucesso, dando atenção justamente aos fenômenos práticos ignorados pelo saber posto, tudo bem. Mas a tal "visão espiritual" de Charcot não o diferencia radicalmente do método eminentemente materialista de Mao? Não é verdade que Charcot seria extremamente idealista ao postular que a mudança qualitativa do saber teórico ocorre como que por passe de mágica, com o surgimento expontâneo de uma visão?

É aqui que a coincidência se torna ainda mais surpreendente. É que para sustentar tal estrutura triádica do conhecimento, Mao, como Charcot, distingue duas dimensões do conhecimento humano: a dimensão perceptiva e a dimensão cognitiva. Segundo Mao a percepção só consegue captar os fenômenos no caos, na relação exterior que as coisas guardam entre si, ou seja, relação não-sistemática entre as coisas. Somente o conhecimento cognitivo, que diz respeito à conceitualização e teorização das percepções sensoriais práticas, pode capturar (por mais paradoxal que pareça) a relação interna entre as coisas, aquela que pode sistematizar, enquadrar e conceitualizar os fenômenos. Citando o próprio Lenin, Mao afirma "todas as abstrações científicas refletem a natureza de forma mais profunda, verdadeira e completamente". Mas como exatamente, para Mao, o conhecimento avança do aspecto perceptivo para o cognitivo, o único capaz de capturar a "essência" do mundo material exterior e objetivo?

Segundo Mao: "Conforme a prática social continua, as coisas que fazem emergir as percepções sensoriais e as impressões do homem, no curso de sua prática são repetidas muitas vezes" - como nas observações clínicas de Charcot - "então uma mudança súbita ocorre no cérebro, no processo de cognição, e conceitos são formados [...] una as sobrancelhas e um estratagema virá a mente".

Mas que quer dizer este desparate? Seria Mao um idealista enrustido? Na verdade o que significam a "visão espiritual" de Charcot e o "estratagema" de Mao se referem à mesma noção da Intuição na dialética hegelo-marxista: uma decisão em ato que funda uma novidade e que Alain Badiou, filósofo maoísta francês, identifica como sendo o próprio cerne do pensamento ontológico: uma decisão que rouba o lugar do indecidível, do indecifrável pelo saber posto, o saber do stablishment. A esta decisão se dá o nome de axioma: uma sentença em ruptura com a lógica do mundo existente e que abre caminho para um processo-verdade que comprova retroativamente a validade da sentença a partir da fidelidade em ato (prática) a ela.

Tal como o poema que funda e funde um novo mundo de relações entre coisas, em oposição à lógica da prosa, eminentemente dianóica (= organização e encadeamento lógico de argumentos), o axioma (visão espiritual, estratagema, ou qualquer outro nome) funda e funde relações externas e caóticas entre as coisas que o saber "em prosa" ou dianóico tende a ignorar. Em se tratando de uma lacuna radical entre conhecimento perceptivo (prática) e conhecimento cognitivo (teórico) a única possibilidade de "avançar" nesta lacuna, é a fundação de um axioma, "por conta e risco" do sujeito que o permite organizar o caos do mundo objetivo.

Estamos tratando aqui de um argumento contrário à glosa dominante da filosofia da linguagem: esta decisão axiomática, que Badiou define como sendo o cerne do pensamento ontológico, precede a lógica. E não o contrário. Portanto, é a decisão sobre as leis da natureza (partindo, é claro da observação prática), que funda as leis da natureza. O que explica o paradoxo de Lenin em afirmar que somente o conhecimento teórico consegue compreender profunda, verdadeira e completamente o mundo objetivo.

Mas o que há de materialista nisto? Como nos diz Zizek, o materialismo é a única resposta possível para fenômenos "imateriais". Isto porque é próprio ao materialismo dialético considerar a irredutibilidade entre a razão humana, e as leis da natureza, uma lacuna tão radical que exige um "salto de fé" para que haja alguma avanço na compreensão do mundo objetivo. A postura idealista, é precisamente aquela que "coisifica" ou reifica tais fenômenos imateriais na forma de entes transcendentais, amarrando uma lógica dianóica de mundo que só poderia existir caso o mundo objetivo tivesse sido criado por um ser virtuoso e plenamente consciente.

É bom lembrar, entretanto: que"a religião seja o ópio do povo", não quer dizer que não haja um lado teológico no materialismo. Que leva Benjamin a afirmar que a teologia é a mão que anima o boneco do materialismo histórico. (E que leva Plínio A. Sampaio, candidato do PSOL para presidência da república a firmar seu "marxismo com sotaque cristão"). É deste salto de fé que se trata. Desta produção de axiomas que abre o caminho para a verdade e que une profundamente marxismo e psicanálise: a fé na infinitude do homem. Pois o homem é infinito porque é capaz de produzir axiomas.
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*Freud, Charcot. Em Obras Completas. Vol.1.
**Mao, On Practice. Disponível em www.marxists.org

quarta-feira, 19 de maio de 2010

Elogio à mobilização carcerária.

Na última quarta feira, dia 12 de maio, foi realizado em Curitiba o primeiro ato do MDPL, o movimento em defesa dos direitos das pessoas privadas de liberdade, que surgiu para lutar contra as constantes violações à humanidade e a dignidade dos internos nos presídios e cadeias publicas do Estado do Paraná, que constitui um verdadeiro holocausto social e racial inscrito na nossa própria ordem jurídica "Democrática".

O movimento foi atendido as pressas pelo secretário de Justiça do Paraná, Luis Carlos Giublin Junior, e tirado uma comissão de quatro mães e um advogado para ler a carta do movimento que incluia demandas como a de retirada da polícia repressiva de dentro dos presídios (pois os cuidados devem ser de competência dos agentes penitenciários), a entrada de alimentos (já que os presos comem de 20 em 20 horas) a entrada de cobertores e roupas (já que os presos dormem no chão, sem cobertas e estão praticamente nus no frio glacial do inverno curitibano) etc.

O Estado do Paraná é conhecido por ser, nas palavras de Nilo Batista, um "celeiro de grandes penalistas e criminólogos". E de fato o é. Nomes como os de Juarez Cirino, Juarez Tavares, entre outros, são reconhecidos pela intelectualidade progressita das ciências criminais no mundo todo. Mas é a primeira vez que as demandas criminais são postas em movimento pela militância carcerária.

E a militância carcerária é um importante veículo de promoção da justiça socialista, já que escancara o lado obsceno da nossa ordem jurídica democrática: a prisão é um lugar sem lei. Lá a lei não vale. E com isso se estrutura os campos de concentração para pobres que são as prisões latino-americanas. Só se acaba com a violência fora dos presídios, depois de se acabar com a violência dentro dos presídios!

O sistema penitenciário é um lugar de exceção (no conceito Schmittiano) da ordem jurídica democrática. Aqui encontramos a verdade do Estado do Capital: a repressão excessiva ao contingente pobre e marginalizado, o resto do processo de acumulação do capital. E é por isso que a punição, tal como concebida pela lógica do encarceramento, só é possível quando a Sociedade civil (para usar um termo um pouco arcaico) se aliena completamente do Estado.

Construir uma sociedade mais justa, é construir uma sociedade Pauliana, que substitua a Lei pelo Amor. E é por isso que a pauta socialista quer, como queria Cristo, "Amor, não sacrifício".

Um Elogio à mobilização carcerária do MDPL! Como diriam Nicola Sacco e Bartolomeu Vanzetti, "Nossa agonia é o nosso triunfo".

sexta-feira, 7 de maio de 2010

Pena e Guerra: Tobias Barreto como profeta dos novos tempos.

Tobias Barreto, o eminente jurista brasileiro, sergipano, do século XIX, proclamou a célebre frase em seus fundamentos do direito de punir: "quem quiser encontrar um fundamento para a pena, deverá antes buscar por um fundamento para a guerra". Com isso, Tobias Barreto selava de uma vez por todas o vínculo que ligava punição e guerra: o de estarem no limiar de legitimidade do direito.

O argumento foi resgatado mais tarde pelos fundadores da Teoria Agnóstica da Pena, os penalistas e criminólogos Eugenio Raul Zaffaroni e Nilo Batista. Com as crescentes criminalizações das classes dominantes, pelo menos no que diz respeito a setores da burguesia vitimados pela inflação legislativa de crimes contra o patrimônio público, crimes empresariais ou ambientais, a criminologia radical, de vertente marxista, titubeou diante do argumento explícito de que o direito penal era um mecanismo de repressão da classe dominante sobre a classe pobre, proletariado ou lumpesinato. Como agora explicar que o direito penal se preocupava com a criminalização da classe dominante (ou pelo menos de alguns setores dela)?

A resposta pós-moderna (porque não?) da Teoria Agnóstica foi: a "verdade" sobre a pena é demasiadamente complexa. Diante disto, nada podemos fazer senão admitir que ela não é jurídica (isto Tobias Barreto, Carl Schmitt (em sua teoria sobre a soberania) já explicaram. O que resta, portanto, é trazer a obscura-essência da pena como dado interno às teorias penais progressitas (que visam a contenção do poder punitivo) e fazer da epistemologia jurídico-penal um sistema de categorias baseada no seguinte dualismo: a legitimidade da pena é desconhecida (por isso seu caráter Agnóstico), mas, uma vez que ela existe de fato, o que o direito pode fazer é lutar contra o excesso constitutivo da legitimação punitiva: seu caráter não-legal.

O contraponto, a resposta marxista mal-digerida, foi que tal processo seria apenas um processo ideológico, ilusório (ou simbólico na terminologia jurídico-penal) que mascarava aquilo que sempre foi: um mecanismo real de repressão à pobreza. O raciocínio "marxista mal-digerido" não é de todo equivocado, afinal as prisões continuam sendo um holocausto da pobreza. Além disso, as condições sócio-econômicas concretas possibilitam que a classe dominante tenha um acesso privilegiado à justiça de qualidade, o que leva invariavelmente a um maior "respeito" no que concerne às garantias fundamentais do processo penal.

O questionamento hegeliano básico, quanto à "coisa transcendental" kantiana, a idéia de que a realidade é uma dimensão que transcende às ilusões constitutivas de nossa percepção finita, é: se a realidade é mesmo transcendental às ilusões de nossa finitude, o que leva ela a necessariamente aparecer sob a forma de uma ilusão? Resposta: a realidade não é aquilo que está além das ilusões, mas as ilusões são uma necessidade da dinâmica real. Neste sentido, o equívoco básico da teoria criminológica marxista é eminentemente kantiano: se a realidade do sistema penal continua sendo exatamente a mesma porque diabos foi necessária a aparição de uma ilusão nova, sob a forma da inédita proliferação das leis que criminalizam as classes dominantes?

O que é verificável, portanto, é que tanto o marxismo criminológico mal-digerido quanto a Teoria Agnóstica da Pena (facilmente classificável entre a ladainha da democracia-por-vir) são uma opção falsa enquanto atitudes epistemológicas eminentemente kantiana: o marxismo por considerar a relação entre realidade concreta e ilusão/ideologia estritamente dentro do campo do dualismo kantiano (quando na verdade a dialética hegelo-marxista é monista). A Teoria Agnóstica por se pautar por aquilo que Kant chamaria de ideais regulativos ou seja, coisas sobre as quais não sabemos, ou não podemos dizer sobre sua existência, mas agimos como se existissem: a legitimidade da pena, embora não exista juridicamente, agimos como se ela existisse, mobilizando assim o aparato categorial do Direito Penal de Contenção.

A resposta deveria estar, portanto, na forma como guerra e pena se relacionam, cada uma delas, com a ideologia jurídica vigente, ou melhor, naquilo que escapa ao âmbito da fantasia jurídica oficial. Paulo Arantes, em seu extinção, demonstra como as diferentes formas de legitimação da guerra aparecem juridicamente desde os fins da idade média, até os dias de hoje, conforme aos processos de desenvolvimento da dinâmica do capital: da acumulação primitiva aos atuais tempos de crise estrutural. Para Arantes, enquanto os ainda incipientes Estados Modernos estavam submetidos à autoridade moral da Igreja, toda guerra só poderia aparecer como guerra justa ou justus bellum. A Guerra contra os não-cristãos (que estavam fora da religião cristã, e portanto fora da própria humanidade) que possibilitava a intervenção militar permanecida sob os limites jurídicos e religiosos impostos pela Igreja: a guerra pela cristandade era, em si mesmo justa. Mas ainda assim, permanecia sob proscrições religiosas que determinavam os limites técnicos do potencial bélico empregado em proporcionalidade com a finalidade (por si só justa, já dissemos).

A configuração dos Estados Modernos, pautados juridicamente pelo princípio de Soberania impunha uma lógica diferente: a extinção de qualquer autoridade moral superior que regulasse a intervenção bélica. Assim sendo, o que prevaleceu foi o princípio de equilíbrio de forças, estabelecido no tratado internacional da Vestfália. O que é interessante, entretanto, é que o tal equilíbrio de forças, a União Pacífica era decorrência da idéia jurídica de soberania: nada poderia estar acima da soberania dos Estados. Logo, a guerra não poderia se legitimar por seu caráter justo contra um agente injusto, imoral. Todos os estados tem o direito de se declarar em guerra. O motivo da guerra seria o atentado contra a soberania do Estado, a ameaça concreta ao "equilíbrio de forças". Entretando a mesma Soberania levava, ao plano interno, a regulação do excesso, daquilo que Carl Schmitt chamou de exceção: a constitucionalização progressiva do poder excessivo do soberano. Portanto: no plano externo a constante luta contra uma autoridade moral/jurídica superior, no plano interno, a constante constitucionalização e regulação que fortificava a autoridade nacional superior: o soberano que decidia sobre a normalização da situação jurídica a partir da resposta legal contra os criminosos ou imorais, os fora-da-lei (ou seja, a constante complexificação do aparato e da teoria jurídico-penal para punir melhor, com qualidade, e dentro da lei).

O início da Guerra Fria, com o constante aperfeiçoamento do armamento high tech de potencia globalmente letal, levou a um breve período de apatia política diante da guerra: a ameaça de uma guerra definitiva levava a uma paz fabricada, a um cálculo frio e político sobre as consequências da indizível catástrofe nuclear. Com o colapso dos SOREX (Socialismo Realmente Existente) em 1989 os Estados Unidos, finalmente, ganham a corrida armamentista e se tornam A Nação capaz de decidir sobre o futuro do mundo. Os Estados Unidos se tornam então, O Estado do Capital, necessário à configuração do Capital pós-70 quando finalmente adquire proporções globais.

Com a Guerra do Golfo (e a atual guerra do Iraque) a lógica bélica se transforma radicalmente: não mais a guerra como continuação da política (isso nossos pós-modernos e democratas-por-vir consideram unanimemente bárbaro). Agora a perspectiva pós-clausewitziana da política como continuação da guerra (da Guerra Fria). A novidade das duas guerras citadas foi a metáfora legalista. Recorremos à psicanálise: que quer dizer metáfora? Essencialmente um movimento de "deslocamento". A perspectiva doméstica de soberania se aplica agora (se desloca) ao plano internacional. O Inimigo não é uma nação também com direito de declarar-se em guerra. Mas um criminalizável global. Assim, o ideal medieval de Guerra Justa retorna na mais apocalíptica perspectiva do armamentismo bélico high-tech. Nasce então um ideal de Guerra Cosmopolita (por mais bizarro que o termo possa parecer sob a perspectiva filosófica, especialmente aos democratas kantianos). Ao mesmo tempo em que a guerra é declarada na carta fundacional das Nações Unidas como um crime, ela se torna prática cotidiana, legitimável legalmente, sob a autoridade de uma soberania global.

Desde a Guerra do Vietnã, os soldados não sabem mais porque lutam. A guerra se torna um setor apartado do todo social. As guerras não se encontram mais na militarização total das sociedades. Ela se tornou uma operação de profissionais, incluindo inclusive em seu vocabulário, a parafernália lingüística da flexibilidade, própria da economia global do Capital em etapa de financeirização. Tanto é que agora sequer distinguimos entre economia de paz e economia de guerra. A Guerra continua sendo tão rentável para o mercado financeiro como qualquer outro investimento. Aliás: sequer distinguimos mais entre guerra e paz... os EUA são um país em guerra? O dia-a-dia do american way of life é profundamente afetado pelas (correntes) guerras contra o Iraque ou o Afeganistão (no caso não contra o Afeganistão, mas contra uma organização não-governamental, os Talebãs)?

Essa indistinção entre paz e guerra, é o que leva àquilo que Martin Shaw chamou de sociedades pós-militares, sociedades em que a ordem militar, aparece como um setor profissional em apartado, um armamentismo completamente incorporado à cultura do consumo de massa, levando a um declínio da experiência militar das populações (não só o serviço militar deixou de ser obrigatório em muitos países, mas a própria "experiência militar" se torna flexível, policialesca, e indireta: em vez de matar pessoas, ela mina as possibilidades concretas de sobrevivência).

O que leva a conclusão de Arantes: "um tal fosso de equívocos e engodos mútuos entre civis e militares estaria empurrando ainda mais os setores do establishment "orientados par ao combate" para a zona de sombra da ameaça pretoriana à legalidade civil, sem falar na dificuldade crescente de se preservar um governo limitado pela lei nesses países, cada vez mais envolvidos em coalizões antiterror e, portanto, propensos a rotinizar as retaliações extralegais contra seus opositores internos" (Arantes, 2007: p. 61). Ou seja: políticas de terror punitivo.

Se nos for permitido uma digressão dialética sobre o fenômeno: não observamos que a guerra, sua legitimidade obscena, se enquadra perfeitamente numa tríade hegeliana? Primeiramente um "em si", a guerra em si mesmo justificável pelo ideal medieval da autoridade moral do papa, todo estado cristão, pelo próprio fato de ser um estado cristão, está em si legitimado a realizar a Cruzada; posteriormente um "para si" a guerra como legítima unicamente quando se desequilibram as soberanias internas dos Estados, a guerra é unicamente para as soberanias dos Estados; por último, a guerra como "em-si-e-para-si" a guerra cosmopolita como aquilo que define a soberania, ao mesmo tempo em que define o excesso fora-da-lei do soberano global.

Mas não é possível também ver no processo histórico de formação das prisões uma mesma tríade hegeliana? Se bem que a prisão é uma necessidade para a fábrica é possível ver, em primeiro lugar o encarceiramento do exército de reserva como uma necessidade "em si", uma vez que o processo incipiente de acumulação do capital precisava de trabalhadores já disciplinados. Em segundo lugar, a prisão como um "para si", com o crescimento do desemprego estrutural, a prisão se torna o depósito daqueles não-integráveis no processo produtivo. Sua necessidade de disciplinarização da pobreza (na medida em que a fábrica não mais necessida dos já-disciplinados) é secundária a si mesma. Por último, no estádio final do capitalismo financeiro, a prisão como necessidade em-si-e-para-si: agora, a prisão é em si mesmo rentável. Não é por outra razão que as "Correction Companies" americanas estão entre os mais rentáveis negócios geradores de lucro do mercado financeiro ianque.

O que os pais da teoria Agnóstica não se preocuparam em ver, é que a própria dicotomia barretiana guerra e pena se põe como os dois primeiros momentos de uma tríade hegeliana, quanto à configuração do Estado de Exceção: enquanto a guerra, nos princípios modernos do equilíbrio e da união pacífica, era "externa à soberania" ela era para a soberania. Enquanto a pena, representava a própria soberania em si, uma vez que o conceito de Schimitt não deixa dúvidas: "soberano é aquele que decide sobre a exceção", ou seja sobre a punição de seus cidadãos. O atual estádio do desenvolvimento do Capital ao mesmo tempo que não mais distingue entre guerra e paz, economia de guerra e economia de paz, encarceiramento produtivo/lucrativo, encarceiramento improdutivo/não-lucrativo, também não mais distingue sobre a própria diferença entre guerra e punição. Na atual indistinção entre os termos guerra e pena a frase de Tobias Barreto completa sua professia: finalmente guerra e pena são definitivamente uma única e mesma coisa, indistinguíveis como sói a acontecer com toda síntese hegeliana de termos antitéticos.

Como tal ambos são apenas dois pontos de vista complementares (ou paraláticos, para citar Zizek) de um mesmo objeto: a dimensão pulsional do capital que exige o excesso (a desterritorialização) para decidir sobre a normalidade (a territorialização). E neste processo, é uma pena que o mercado financeiro, flexível, flutuante, etc., necessite da criminalização de alguns traders burgueses (imorais e criminosos) para normalizar sua circuação.


domingo, 2 de maio de 2010

Fiel à Cuba, contra o stalino-trotskismo.

É possível identificar claramente o que significa a postura de um troskismo mal-digerido e como Trotsky e Stalin podem parecer dois lados de uma mesma moeda, chegando as vezes a parecerem uma única e mesma pessoa sofrendo de esquizofrenia crônica. Que assim seja vemos na argumentação anti-castrista de nossos camaradas do PSTU quando do evento da morte do senhor Orlando Zapata.

O que une os dois, os gêmeos Trotsky-Stalin, é o próprio significante "Traição". Enquanto a postura stalinista básica é julgar aqueles que, não aceitando a visão "objetiva" que a cúpula do partido dava sobre a realidade, e não se engajando na "razão histórica universal" (Tal como anunciava o PC da URSS) são considerados prontamente como traidores. Os expurgos stalinistas são assim o exemplo típico de Carnaval: os papéis são subitamente invertidos por uma suspensão da ordem posta pela própria ordem: quem ontem era membro da cúpula do partido, hoje é julgado e condenado, amanhã é expulso, etc.

Tudo isto pela mobilização do significante "Traição" que, sob a visão stalinista, era traição não exatamente ao partido, mas à razão histórica universal (cuja lógica era pretensamente acessível somente a Stalin e seus amigos menscheviks da burocracia econômica).

Ora, que é o trotskismo mal-digerido de que falei senão a postura simetricamente oposta? Aquela que vê traição em tudo, que se sente traída em tudo? Ou seja, de outro lado quando posto a julgamento, quando questionado quanto aos princípios pelos quais está lutando, o “trotskismo” [enfatizando as aspas por justiça à pessoa de Leon Trotsky] prontamente julga como traidor agora quem dirige os rumos da revolução. Não é a toa que por vezes os papéis assim concebidos de Trotsky e Stalin se invertam.

Que está em jogo, por exemplo, quando os camaradas do PSTU sustentam e reforçam a idéia de que o regime cubano "Traiu a revolução", pondo toda a política castrista no banco dos réus? Que é isto senão uma postura analogamente carnavalesca da esquerda que suspende sua idenficação com a própria esquerda para gerar um efeito de “ser mais de esquerda do que a esquerda”?

O que fica mais evidente é como o significante "socialismo" é manejado de forma bastante dúbia. Em primeiro lugar é evocado claramente que o que há em Cuba não é socialismo. Ótimo, mas então que é socialismo? Não é exatamente este trotskismo que rejeita absolutamente qualquer experiência real de estado revolucionário em nome deste ‘socialismo-que-nunca-é’? Mas como é o nome da atitude racional que “salva” um princípio de pureza de toda “contaminação tóxica” encontrada na realidade empírica? Resposta: idealismo metafísico.

Ressalto: idealismo metafísico porque sequer o idealismo hegeliano seria capaz de argumentar desta forma. É do próprio Hegel a noção de que uma “boa idéia” que não se aplica à realidade é, na verdade, uma má idéia, uma idéia ruim ou mal acabada. O que está em jogo, portanto, na argumentação do PSTU é a salvaguarda de um “socialismo” metafísico-transcendental que se sustenta numa postura de crítica histérica de demandas impossíveis contra as experiências reais. O que acontece é uma lógica perversa, no pensamento, que acaba resultando no extremo oposto daquilo que os próprios camaradas do PSTU tentam defender: o transcendental-socialismo dos nossos camaradas acaba tendo por determinação própria, quer dizer, acaba requerendo por sua própria lógica interna, a crítica histérica contra os regimes socialistas reais. Em outras palavras: o ideal de socialismo, o transcendental-socialismo é o produto (e não a fonte) da crítica indiscriminada contra toda e qualquer experiência real de socialismo e, o que é mais importante, é concebido como um ideal puro e não como um processo de sua própria realização.

Aqui, no ideal de pureza socialista, é notável como mais uma vez Trotsky e Stalin se tornam uma única e mesma coisa. Em suma, o que é comum aos dois não é só o significante “traição”, mas este significante mobilizado em sua articulação com o transcendental-socialismo. Trotsky e Stalin são, neste sentido, duas visões suplementares e indissociáveis que divergem no ponto específico em que se procura encontrar ‘onde está a traição ao transcendental-socialismo’. Mas esta traição, em si, não é questionada. O transcendental-socialismo e o perigo de sua traição permanecem tal e qual tanto no stalinismo quanto no trotskismo. Para ambos a análise empírica da realidade poderia se resumir no seguinte axioma: se há socialismo real há traição. Neste sentido vemos uma simbiose muito estranha entre uma certa apropriação de Trotsky e o fukuyamismo da esquerda que prega o fim da história.

Toda revolução real, deve ser concebida como o processo de lidar com os antagonismos reais existentes a partir da mobilização de militantes castrados (ou militantes-mutilantes) quanto ao ideal revolucionário que põem para si mesmo. Toda revolução real é um processo em que um número virtualmente infinito de pessoas se mantém fiel a um ideal revolucionário que lhes exige castração, sacrifício, disciplina e vigilância. O parâmetro para nossos julgamentos deixa de ser, assim, o transcendental-socialismo stalino-trotskista e passa a ser o processo real e vigente de construção do socialismo na medida em que o poder instituído consegue com maior ou menor sucesso, mobilizar o maior número de militantes nesta fidelidade à castração, fidelidade esta que empresta seu nome, em Cuba, ao próprio líder e comandante-em-chefe da revolução cubana, Fidel Castro.

A fidelidade à castração de Fidel Castro é, assim concebida, um processo de resistência socialista contraditório e antagônico sim, é verdade, mas que também não permite que nós, socialistas latino-americanos, encaremos o regime cubano como o inimigo. Nisto, encontraríamos vários "aliados" na corja liberal-tolerante da democracia-por-vir. Estes são nossos inimigos. Estes não são fiéis à castração que seus próprios ideais políticos fizeram emergir historicamente com as figuras memoráveis de seus heróis. (Ao contrário eles guilhotinaram os últimos revolucionários fiéis à revolução francesa: Robespierre e Saint-Just). Estes são nossos inimigos comuns. Estes nos definem como esquerda, por servirem de modelo de como não ser. E contra eles, sou fielmente castrista!

terça-feira, 13 de abril de 2010

Plínio de Arruda Sampaio e a primeira tese sobre o conceito de história de Walter Benjamin.

Michel Löwy nos narra na apresentação à edição brasileira de seu Walter Benjamin: Aviso de Incêndio, a notável história de como Benjamin teria sido quase contratado pela USP, não fosse as incompetências de algumas autoridades acadêmicas. Mas se Benjamin acaba não saindo da vida intelectual-política para entrar na academia uspiana, o cenário político eleitoral hoje, não é uma prova de que Benjamin saiu da academia uspiana para entrar na vida intelectual-política na figura de Plínio de Arruda Sampaio?

Benjamin, na primeira de suas Teses sobre o conceito de história, fala sobre como a teologia deve ser aquilo que anima o "boneco do materialismo histórico". Como interpretar o significado desta tese?

É interessante notar que décadas mais tarde, Zizek em sua obra mais sistemática, desenvolve as bases de uma parte importante de seu sistema teórico, aquilo que chama de "tijolos da teologia materialista".

O que é comum tanto em Benjamin quanto em Zizek é a postura contrária a uma redução vulgar do materialismo histórico-dialético, a um determinismo mecanicista de causas-consequências que, substituindo o conservadorismo religioso próprio do começo do século, poderia ser tão ou mais nocivo para os movimentos emancipatórios e suas lutas contra-ideológicas. Lembremos a citação de Zizek ao "primeiro Lenin" (antes dos estudos hegelianos) de como a realidade material e concreta é inatingível à perspectiva humana, que o que podemos fazer é teorizá-la sempre parcialmente.

Ora, o problema desta tese (posteriormente corrigida por Lenin quando retorna dos seus estudos hegelianos propondo a criação de uma "sociedade dos amigos materialistas da dialética hegeliana") é que, no exato momento em que a realidade material é concebida desta forma, ela se torna exatamente o contrário do que pretende: uma idéia transcendental.

O materialismo vulgar é o que visa a apreensão sempre gradativa da totalidade da realidade existente, como se esta própria realidade fosse, em si mesma, completa, fechada e perfeita. Contrariamente, o verdadeiro ponto materialista-dialético, não é outro senão coneber como a própria realidade é feita, ela própria, de rupturas e "mistérios"!

Lembremos a estrutura das histórias de detetive: o primeiro ponto notado por qualquer leitor de Agatha Christie ou Connan Doyle é que toda história de detetive é eminentemente materialista. Se uma história de Sherlock Holmes acabasse com uma explicação teológico-transcendental - do tipo "o crime se explica porque o assassino é um fantasma capaz de atravessar paredes" ou coisas do tipo - nos sentiríamos, os leitores, profundamente traídos pelo enredo! Porque diabos nos daríamos ao trabalho de ler Sherlock Holmes se a explicação fosse metafísica?

Entretanto a única coisa que pode sustentar este método rigorosamente materialista do detetive é a existência de um mistério inscrito na própria realidade, de um problema, na cena do crime, que parece absolutamente obscurantista, que resiste à explicação racional imediata. O que este "mistério" aparentemente "transcendental" tem como função, é justamente forçar no sujeito (no caso o nosso detetive, Holmes) a "fé" no materialismo e, exatamente por esta fé, criar o espaço para o (res)surgimento de uma (nova) teoria absolutamente materialista da explicação racional do mistério. Este elemento de "fé" é o que permite ao materialismo refundar-se e reforçar-se como teoria (e conseqüentemente como práxis)!

No momento em que o maior desastre da política nacional, nos dezesseis anos de tucanato de FHC, é sustentado por um presidente que se declara (até mesmo de forma suicida) rigorosamente ateu e que este seu ateísmo materialista é justamente o que sustenta sua política consevadora baseada no argumento "não existem condições materiais para o socialismo", argumento este repetido pelo Partido Termidoriano de Lula, não é notável a gritante validade da primeira tese de Benjamin sobre o conceito de história?

As ironias da história surpreendem-nos sempre! Não é a toa que a esquerda brasileira tenha, hoje, condições de se refundar com o apoio de Plínio de Arruda Sampaio. Afinal, se Benjamin usa a metáfora do "boneco do materialismo histórico" e da teologia como seu "ventríloquo", não é exatamente isto que sustenta Plínio quando afirma que seu Marxismo tem "sotaque cristão"? E não é aqui que nós, sujeitos da recriação teórico-prática do materialismo dialético da esquerda brasileira, devemos nos referenciar?

O postulado benjaminiano de Plínio se encontra na segunda parte do Vídeo:


segunda-feira, 12 de abril de 2010

Com Plínio de Cabeça Fria e Coração Quente (ou: Iluministas no método e Jacobinos na Esperança)

Zizek falou em como a queda do muro de Berlim representou, quando todos achavam que estavam diante do "fim das utopias", A Grande Utopia: a utopia do neo-liberalismo, a utopia da "fórmula" capitalista e democrática, nomeada por Francis Fukuyama como "O Fim da História".

Neste período o capitalismo "entra em férias": Entra em férias porque, de bermudão e óculos escuros, sai livre pelo mundo para gozar plenamente de seus imperativos de expansão e acumulação sem a resistência da esquerda, ainda aturdida pelo trauma da queda do muro, pelo colapso dos regimes socialistas do leste europeu. Em meio a esta desorientação, a esquerda se tornou, ela própria, fukuyamista.

No Brasil, o fim da história aconteceu com uma especificidade peculiar: foi a ascenção do PT ao governo. Ao contrário da expectativa (de alguns), o governo Lula não representou (como prometera em 2002 quando disse que sua prioridade número 1 era a reforma agrária!) as transformações e reformas burguesas de base que permitiriam a articulação mais ampla da esquerda militante, dos movimentos extra-parlamentares, que fariam o trabalho em conjunto com um governo à frente do parlamento burguês/contra o parlamento burguês. Do contrário, o Partido Termidoriano, jogando no lixo toda a brilhante militância (de alguns) de seus membros, estagnou o embate político eleitoral numa oposição à là Pepsi X Coca-Cola, a oposição PSDB (Pepsi) X PT (Coca-cola), importando o modelo democrático americano de duas direitas e instaurando de uma só vez um clima de Medo e Cinismo: os que votam no Partido Termidoriano votam ou por medo (de que o tucanato volte ao poder) ou por cinismo (reproduzido no predicado fetichista "eu sei bem que o PT não é mais de esquerda, que não tem mais compromisso efetivo nenhum com os movimentos sociais, mas mesmo assim..."). O "ser social petista" (como diz meu amigo Choinski) é covarde ou cínico.

Diante disso, festejamos a candidatura de Plínio Sampaio que, esperamos, é um primeiro passo para a reorganização e reaglutinação da esquerda (da verdadeira, aquela que não se acovarda e não se mantém dúbia quanto a seus princípios) que ainda resta neste país, aquela que se mantém, como disse o próprio Plínio, com a "cabeça fria e o coração quente!" - pois é Iluminista na metodologia e Jacobina na esperança!





terça-feira, 16 de março de 2010

Bartleby e Mao: sobre dogmatismo e prática.

Zizek propõe frequentemente que o que deveria orientar a esquerda, nos tempos confusos do capitalismo pós-moderno, seria a política de Bartleby, a política do preferiria não, toda vez que uma ação prática revestida de demandas éticas, nos fosse proposta: "então você fica aí discutindo Marx, Hegel ou Lacan?" ou então "enquanto vc planeja a sua revolução socialista discutindo concepções de partido ou de militância" e a conclusão fatal: "pois saiba que milhares de pessoas passam fome e vc vai ficar aí, sentado e discutindo, sem fazer nada? Levante-se! Faça alguma coisa!".

Para Zizek, numa forma de "astúcia da razão" do capitalismo contemporâneo, ou seja, na forma como a Universalidade do capitalismo se transformou nas últimas décadas do século XX, demandas aparentemente "éticas" como essas são feitas o tempo todo. Isso principalmente porque as consequencias do Evento de 68, ou antes, daquilo que se diz serem os Eventos, esquecendo seu lado político radical (o maoísmo) e dando ênfase somente aos seus aspectos mais secundários e por vezes ridículos, de libertação sexual, psicodelia, rock'n roll, ou qualquer coisa do tipo, isto aliado à lógica multiculturalista e pós-moderna como lógicas culturais do capitalismo transnacional produziram uma lógica implicitamente "ética" e "libertadora" do capitalismo contemporâneo. Um exemplo claro, segundo Zizek, são as propagandas de automóveis: há alguns anos, as propagandas de automóveis eram muito mais "objetivas" e "frias" do que as propagandas de hoje. Antigamente: "Compre o carro X: ele é o único que tem pneus de borracha vulcanizada, motor V8, refrigeração dupla, etc". Hoje: "Compre o carro X" e então uma série de imagens do carro correndo na lama, num ambiente plano, aberto, com pessoas cantando clássicos da música pop e do rock que falam sobre a liberdade, realização pessoal ou, no último exemplo que vi, pessoas assoviando "Forever Young/I wanto to be forever young!".

Como diz Zizek, nessa nova fase do capitalismo, o lado obsceno da cultura tem sido cada vez menos o sexo e a sexualidade e cada vez mais o trabalho. Fenômeno muito bem observado em Hollywood: quanto mais vemos cenas cada vez mais próximas do the real thing sexual*, menos vemos cenas em que aparecem pessoas coletivamente trabalhando, fábricas, linhas de montagem etc. Ou, quando vemos, geralmente nos filmes de James Bond, a cena do trabalho está frequentemente ligada a idéia de um trabalho criminoso e, é claro, 007 tem de explodir de uma só vez a linha de produção, e voltar para a ordem do prazer, da liberdade e da libido, restaurando a fantasia nossa de cada dia em que o trabalho já não aparece.

Essa dimensão aparentemente mais "libertária" e libidinal do capitalismo contemporâneo sustenta também uma aparência mais "ética" do capitalismo: não só o ideal ascético e abstêmio do capitalismo antigo é substituído por um idal de gozo menos "frio" e mais "humano" do que a sua antiga lógica protestante, mas também pensamos mais no outro, em como lucrar com mais consciência, em um "capitalismo com uma face humana". Então vemos as constante demandas do tipo "faça alguma coisa!".

A conclusão de Zizek é que diante dessas demandas devemos nos servir da política de Bartleby, personagem de O Escrivão de Melville que, a cada ordem recebida no emprego por seus superiores respondia calmamente: "preferiria não!". "Em vez de ficar aí sentado discutindo Marx, Freud ou novas concepções de Partido ou Militância, levante-se e faça alguma coisa!". A que responderíamos calmamente: "preferiria não!". Ou seja, antes de termos um mapeamento claro do que seja o capitalismo contemporâneo, quais são as estratégias da esquerda hoje, como funciona a ideologia, a relação entre democracia e totalitarismo, não devemos ceder a qualquer chantagem ética de práticas conscientes uma vez que muitas delas (A Ecologia principalmente) já são perfeitamente cooptadas pelo capitalismo e possibilitam sua reprodução.

Ora, mas essa necessidade de teorizar quer dizer que, simplesmente, não devemos agir?

Mao, em seus dois textos, Sobre a Prática e Sobre a Contradição ataca entre certos companheiros do Partido Comunista Chinês em 1937 dois problemas que ele próprio faz questão de frisar como problemas graves: 1) o Dogmatismo, posição teórica que força seus conceitos na realidade e despreza a realidade e a prática como o processo sobre o qual se pensa e para o qual está dirigida a teoria e 2) O Empirismo como a posição simetricamente inversa, a posição que despreza a atividade teórica e a pesquisa, em favor da pura prática.

É que Mao estabelece que o conhecimento se dá em dois níveis: o nível perceptivo ou externo, aquele em que vou até um espaço de ação, experimento a realidade (converso com as pessoas, conheço a geografia do lugar, coleto dados aparentemente sem relações uns com os outros) e o nível conceitual ou interno, em que refletindo e teorizando, consigo compreender a relação entre os dados de forma mais interligada ou conexa (interna para usar uma expressão do próprio Mao).

O Dogmatismo ao desprezar a experiência perceptiva da realidade acredita poder pensar só o pensamento. Ele tem a teoria, que deveria orientar aquele processo de interligar dados colhidos da experiência, como um fim em si mesmo, como uma adoração. Em maoês: quer passar ao segundo estádio do conhecimento, o conceitual, pulando o primeiro, o perceptivo. O Empirismo, por sua vez, permanece no primeiro estádio, no perceptivo, continuamente, não consegue avançar da prática para a reflexão da relação mais profunda entre a totalidade das coisas, como disse o camarada Yuri a respeito do pensamento crítico-ideológico, e portanto não consegue orientar melhor sua própria prática. Toda prática se torna, assim, expontânea, imediata, e pode falhar seriamente no que corresponde a estratégia global da emancipação comunista. Para Mao o movimento deveria ser, portanto: 1 - da prática ao pensamento (colher dados pela experiência, para depois pensar a relação entre eles) e 2 - do pensamento para a prática (depois de ligados os fatos no pensamento, orientar melhor a prática).

Mao conclui, sem muitas explicações inclusive, que embora ambas as posturas sejam altamente problemáticas para a finalidade da Revolução, devendo ambas serem eliminadas do Partido Comunista e do Exército Vermelho, a que tem, em 1937, a potencialidade mais destrutiva é a Dogmática. Ela é, naquele momento, a mais maléfica.

Poderíamos pensar "com/contra" Mao para entender o que significaria a necessidade da política de Bartleby de que fala Zizek: em primeiro lugar aceitamos a premissa de Mao. Tanto a posição Dogmática quanto a posição Empírica são nocivas aos objetivos Revolucionários e ambas devem ser eliminadas das organizações que estão engajadas no projeto revolucionário. É o tema da relação entre Teoria e Prática em que não se pode Teorizar algo que não seja justamente a prática, e não se pode praticar algo que não seja justamente o que foi pensado e discutido, teorizado, sobre a prática. O Dogmatismo seria o Teorizar a teoria. Inócuo! O Empirismo Praticar a prática. Inócuo, pois a passagem para a orientação e melhoramento da própria prática se dá pelo pensamento.

Mas será que a especificidade da esquerda contemporânea não sugere que o pior, hoje, seja o Empirismo? De forma que ela é a mais maléfica (como frisou Mao: dentre as duas que devem ser igualmente eliminadas) em tempos de crise da esquerda, em que o projeto estratégico de tomada do poder, justamente a passagem de orientação da prática, não está claro e o capitalismo demanda ações expontaneístas e pretensamente "éticas" e "engajadas" para sua própria reprodução, uma espécie de generalização do McDia Feliz?

Nossa estratégia é o obsceno do nosso trabalho.


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*um bom exemplo disso tem sido as repetidas cenas de penetração dos filmes de Lars Von Trier que nada tem de pornográficos. Até hoje uma cena de penetração certamente "trairia" o enredo de um filme que não fosse pornográfico: se estivéssemos diante de um romance qualquer e na cena do clímax, em que o rapaz beija a moça, passássemos pelo ato sexual explícito, sem o famoso corte que leva para a cena seguinte dos amantes simplesmente fumando como se implicitamente tivessem feito sexo, certamente experimentáriamos o enredo do filme, por mais sério que fosse, como uma mera desculpa barata para a pornografia da cena. Em Die Idioten e O Anticristo de Lars Von Trier, o que vemos é justamente uma aproximação de perto da real thing sexual, até o ponto da penetração, sem que isso prejudique o enredo do filme.

segunda-feira, 15 de março de 2010

O Militante é um Número.

Alain Badiou é filósofo e militante comunista francês e juntamente com Slavoj Zizek tem se empenhado na renovação teórica do marxismo "pós-pós-modernidade", trabalhando em inúmeras teses de alta abstração e refinamentos teóricos que, no entanto, não deixam de ter importância para a reflexão de nossas práticas militantes (como aliás, é o objetivo geral da obra de Badiou).

Gostaria de iniciar uma reflexão sobre a militância a partir de uma das mais interessantes empreitadas do filósofo: suas reflexões sobre matemática, mais especificamente, sobre a noção de Número.

Aqui, todo o pensamento de Badiou tem por objetivo pensar o que seria um número. Pergunta pertinente para a matemática por dois motivos principais: em primeiro lugar a conceitualização grega clássica de que o número seria a representação simbólica de uma multiplicidade composta de unidades não se sustenta mais seja porque o número zero não se encaixa no conceito (por exemplo), seja porque isso de certa forma dá lugar privilegiado à idéia de Unidade como a substância, o tijolo que compõe as multiplicidades (o que filosoficamente é problemático por uma série de motivos que não trataremos aqui).

Em segundo lugar, a indagação sobre o que é um número é pertinente na medida em que a matemática moderna se desenvolveu tanto que não pôde mais comportar um conceito unitário de número. Remetendo-nos à teoria dos conjuntos, por exemplo, verificamos que aquilo que caracteriza um número natural inteiro, não vale necessariamnete para a caracterização de um número irracional, e tampouco de um número complexo: os conjuntos lançaram a idéia de número na noção de "pertencimento" de forma que é muito difícil pensar numa noção de número que dê conta de todos os tipos de números existentes (de todos os conjuntos de números que nada ou pouco têm a ver um com o outro), jogando a idéia de número numa aparente anarquia conceitual.

Mas o projeto de Badiou é precisamente trazer uma resposta que dê conta de todos os tipos de números existentes e, mais ainda, dos números que ainda não descobrimos mas que podem ser "inventados" ou "descobertos" (aqui, tanto faz uma como outra palavra). É aqui que ele se utiliza da idéia lacaniana de matema, de uma letra que dá vida a uma idéia pré-discursiva, ainda não "contaminada por discurso". Ou seja, uma fórmula matemática que, por dizer "o óbvio", não é pega nas contradições ou especificidades de discurso nenhum, sendo compartilhada por todos os discursos. "X,@" é o matema do número. Donde X é o conjunto a que "presta satisfação" um número qualquer, e @ a especificidade, a singularidade de um elemento qualquer que pertence ao conjunto X, conjunto este que ele próprio sustenta como verdade.

O que o matema diz, portanto, é que qualquer número, independentemente de ser ele racional, irracional, complexo, real ou natural, traz em si mesmo duas coordenadas (qualquer número é composto de duas coordenadas, de dois "dados" básicos): a primeira é a de um grupo ou conjunto que orienta a característica comum de certos elementos numéricos. A segunda é a de pertença, a de um elemento singular específico que se destaca em meio àquele grupo de elementos com algo em comum. Portanto quando nos deparamos com o símbolo "3" ou "1,555..." vemos nesses símbolos duas coisas: em primeiro lugar que eles sustentam um conjunto numérico a que pertencem (no primeiro caso o conjunto dos naturais inteiros, no segundo caso o conjunto dos racionais), em segundo lugar podemos ler a idéia de que "de todos os números naturais que existem, trata-se aqui, especificamente do 3". Ou "de todos os números racionais que existem, trata-se aqui especificamente do 1,555...".

O mais interessante é: não se passa a mesma coisa com a figura do militante? É possível dar um "conceito de militante" se estamos, principalmente após o advento da forma pós-moderna de capitalismo, diante de uma infinidade de campos de ação militante, cada um com sua lógica interna específica, demandando ações e pensamentos específicos que, muitas vezes, tem pouco a ver uns com os outros? Diante disso como pensar O Militante (a idéia de militante, comum a todas as formas específicas de militância)? É claro que a resposta pós-moderna, sempre fácil, é que não! Não é possível pensar A Ação militante, uma vez que tudo está imerso numa explosão de peculiaridades, especificidades etc. É o famoso tema do "fim das meta-narrativas".

Mas seguindo a orientação de Badiou, podemos pensar o militante como um matema similiar ao do número. Todo militante traz em si próprio duas coordenadas, duas informações ou dados: em primeiro lugar a de um coletivo ou grupo de pessoas que partilham, em sua ação e pensamento, características comuns, em segundo lugar a da singularidade específica daquele militante diante dos outros "elementos militantes" que compartilham das características comuns orientadas pelo grupo ou conjunto. (Devemos acrescentar, a título de lembrete, que nada impede que o Militante pertença a mais de um grupo de militância, assim como nada impede que um número pertença a mais de um conjunto numérico).Em outras palavras, O Militante (assim como O Número) sustenta em si próprio a marca do grupo em que milita (podendo militar em vários grupos) ao mesmo tempo em que é um elemento diferenciado e singular (em sua criatividade e participação) no grupo em questão.


Isto pode eliminar dois equívocos possíveis sobre a militância: em primeiro lugar o do pertencimento exclusivo a um movimento ou partido, nos moldes de uma relação Senhor-Escravo, ou seja, o militante como aquele completamente submisso aos mandos e desmandos da lógica do Partido ou Movimento (quaisquer que sejam eles). Afinal a letra @ insere a necessidade da singularidade na participação, ou seja, daquele elemento criativo e único que destaca (e justifica) o pertencimento daquele militante específico no Grupo. Porém, o que esta idéia também elimina é o extremo oposto: ou seja, a noção expontaneísta de engajamento político que, por considerar que a verticalidade movimentista é totalitária, acaba se apoiando apenas na criatividade singular do militante, muitas vezes deixando de lado a participação no Partido ou Movimento, esquecendo que aquele militante singular, só é singular em relação a todos os outros que se identificam numa Unidade, Unidade esta que só o Grupo pode criar. É a letra X que, não atoa, vem antes da letra @. Pois a singularidade (@) só existe em relação a Unidade do grupo (X).

Logo, o Militante não pode deixar de se dividir nessas duas tarefas:
1 - a de entender sua participação e contribuição singular no Partido ou Movimento (friso: quaisquer que sejam eles) e agir conforme a esta compreensão, se destacando dos demais companheiros em sua tarefa específica. Aqui a ação militante é mais propriamente requerida, o arregaçar as mangas deve ser postulado aqui, o famoso "de cada um" socialista que permite que o militante se destaque na prática singular de sua militância.

2 - a de entender e sustentar o vínculo que constrói a unidade do grupo sob pena de perder a própria contribuição singular de sua militância: aqui são requeridas as discussões diretivas sobre a prática estratégica e tática do Grupo e as Votações que dão a palavra final na organização interna dos objetivos do Grupo ou da caracterização teórico-ideológica do Grupo. Afinal é aqui que se constrói a Unidade, o "comum a todos" em relação ao qual (e somente em relação ao qual) pode se destacar a contribuição singular do militante, o @ em relação a X.

Por isso proponho que o militante é "só" um número e, ao mesmo tempo, "acima de tudo" um Número.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Reflexão portuguesa sobre a atualidade de Marx no capitalismo pós-crise.

Este é um vídeo interessante, mostrando os debates que ocorrem em portugal, promovido pela CGTP (Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses), a respeito da atualidade do pensamento marxista no capitalismo pós-crise.

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

Ajuda Humanitária cubana ao Haiti.

Um pouco melhor que a ajuda "humanitária" brasileira, não acham?




Médicos de Cuba no Haiti: a solidariedade silenciada

José Manzaneda *

Este Texto é o roteiro do vídeo.

Você pode inserir seus comentários sobre o vídeo no YouTube e participar no debate: http://www.youtube.com/watch?v=6DikHDHXvL0]

Os aproximadamente 400 cooperantes da Brigada médica cubana no Haiti foram a mais importante assistência sanitária ao povo haitiano durante as primeiras 72 horas após o recente terremoto. Essa informação foi censurada pelos grandes meios de comunicação internacionais.

A ajuda de Cuba ao povo haitiano não começou por ocasião do terremoto. Cuba atua no Haiti desde 1998 desenvolvendo um Plano Integral de Saúde(1), através do qual já passaram mais de 6.000 cooperantes cubanos da saúde. Horas depois da catástrofe, no dia 13 de janeiro, somavam-se à brigada cubana 60 especialistas em catástrofes, componentes do Contingente "Henry Reeve", que voaram de Cuba com medicamentos, soro, plasma e alimentos(2). Os médicos cubanos transformaram o local onde viviam em hospital de campanha, atendendo a milhares de pessoas por dia e realizando centenas de operações cirúrgicas em 5 pontos assistenciais de Porto Príncipe. Além disso, ao redor de 400 jovens do Haiti formados como médicos em Cuba se uniam como reforço à brigada cubana(3). Os grandes meios silenciaram tudo isso. O diário El País, em 15 de janeiro, publicava uma infografia sobre a "Ajuda financeira e equipamentos de assistência", na qual Cuba nem sequer aparecia dentre os 23 Estados que havia colaborado(4). A cadeia estadunidense Fox News chegava a afirmar que Cuba é dos poucos países vizinhos do Caribe que não prestaram ajuda.

Vozes críticas dos próprios Estados Unidos denunciaram esse tratamento informativo, apesar de que sempre em limitados espaços de difusão.

Sarah Stevens, diretora do Center for Democracy in the Americas(5) dizia no blog The Huffington Post: Se Cuba está disposta a cooperar com os EUA deixando seu espaço aéreo liberado, não deveríamos cooperar com Cuba em iniciativas terrestres que atingem a ambas nações e os interesses comuns de ajudar ao povo haitiano?(6)

Laurence Korb, ex-subsecretário de Defesa e agora vinculado ao Center for American Progress(7), pedia ao governo de Obama "aproveitar a experiência de um vizinho como Cuba" que "tem alguns dos melhores corpos médicos do mundo" e com quem "temos muito o que aprender"(8).

Gary Maybarduk, ex-funcionário do Departamento de Estado propôs entregar às brigadas médicas equipamento duradouro médico com o uso de helicópteros militares dos EUA, para que possam deslocar-se para localidades pouco accessíveis do Haiti(9).

E Steve Clemons, da New America Foudation(10) e editor do blog político The Washington Note(11), afirmava que a colaboração médica entre Cuba e EUA no Haiti poderia gerar a confiança necessária para romper, inclusive, o estancamento que existe nas relações entre Estados Unidos e Cuba durante décadas(12)

Porém, a informação sobre o terremoto do Haiti, procedente de grandes agências de imprensa e de corporações midiáticas situadas nas grandes potências, parece mais a uma campanha de propaganda sobre os donativos dos países e cidadãos mais ricos do mundo. Apesar de que a vulnerabilidade diante da catástrofe por causa da miséria é repetida uma e outra vez pelos grandes meios, nenhum quis se debruçar para analisar o papel das economias da Europa ou dos EUA no empobrecimento do Haiti. O drama desse país está demonstrando uma vez mais a verdadeira natureza dos grandes meios de comunicação: ser o gabinete de imagem dos poderosos do mundo, convertidos em doadores salvadores do povo haitiano quando foram e são, sem paliativos, seus verdadeiros verdugos.

Quadro Informativo 1. Dados da cooperação de Cuba com o Haiti desde 1998:
- Desde dezembro de 1998, Cuba oferece cooperação médica ao povo haitiano através do Programa Integral de Saúde;
- Até hoje trabalharam no setor saúde no Haiti 6.094 colaboradores que realizaram mais de 14 milhões de consultas médicas, mais de 225.000 cirurgias, atendido a mais de 100.000 partos e salvado mais de 230.000 vidas
- Em 2004, após a passagem da tormenta tropical Jeanne pela cidade de Gonaives, Cuba ofereceu sua ajuda com uma brigada de 64 médicos e 12 toneladas de medicamentos.
- 5 Centros de Diagnóstico Integral, construídos por Cuba e pela Venezuela, prestavam serviços ao povo haitiano antes do terremoto.
- Desde 2004 é realizada a Operação Milagre no Haiti e até 31 de dezembro de 2009 haviam sido operados um total de 47.273 haitianos.
- Atualmente, estudam em Cuba um total de 660 jovens haitianos; destes, 541 serão diplomados como médicos.
- Em Cuba já foram formados 917 profissionais, dos quais 570 como médicos. Cuba coopera com o Haiti em setores tais como a agricultura, a energia, a pesca, em comunicações, além de saúde e educação.
- Como resultado da cooperação de Cuba na esfera da educação, foram alfabetizados 160.030 haitianos.
Quadro 2. Dados das atuações do Contingente Internacional de Médicos Cubanos Especializados em Situações de Desastres e Graves Epidemias, Brigada "Henry Reeve", anteriores à cooperação no Haiti:
- Desde sua constituição, a Brigada Henry Reeve cumpriu missões em 7 países, com a presença de 4.156 colaboradores, dos quais 2.840 são médicos.
- Guatemala (Furacão Stan): 8 de outubro de 2005, 687 colaboradores; destes 600 médicos.
- Paquistão (Terremoto): 14 de outubro de 2005, 2 564 colaboradores; destes 1 463 médicos.
- Bolívia (inundações): 3 de fevereiro de 2006-22 de maio, 602 colaboradores; destes, 601 médicos.
- Indonésia (Terremoto): 16 de maio 2006, 135 colaboradores; destes, 78 médicos.
- Peru (Terremoto): 15 de agosto 2007-25 de março 2008, 79 colaboradores; destes, 41 médicos.
- México (inundações): 6 de novembro de 2007 - 26 de dezembro, 54 colaboradores; destes, 39 médicos.
- China (terremoto): 23 de maio 2008-9 de junho, 35 colaboradores; destes, 18 médicos.
- Foram salvas 4 619 pessoas.
- Foram atendidos em consultas médicas 3.083.158 pacientes.
- Operaram (cirurgia) a 18 898 pacientes.
- Foram instalados 36 hospitales de campanha completamente equipados, que foram doados por Cuba (32 ao Paquistão, 2 a Indonésia e 2 a Peru).
- Foram beneficiados com próteses de membros em Cuba 30 pacientes atingidos pelo terremoto do paquistão.

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Notas:
(1) http://cubacoop.com
(2) http://www.prensa-latina.cu/index.php?option=com_content&task=view&id=153705&Itemid=1
(3) http://www.ain.cu/2010/enero/19cv-cuba-haiti-terremoto.htm
(4) http://www.pascualserrano.net/noticias/el-pais-oculta-344-sanitarios-cubanos-en-haiti
(5) http://democracyinamericas.org
(6) http://www.huffingtonpost.com/sarah-stephens/to-increase-help-for-hait_b_425224.html
(7) http://www.americanprogress.org/
(8) http://www.csmonitor.com/USA/Military/2010/0114/Marines-to-aid-Haitian-earthquake-relief.-But-who-s-in-command
(9) http://www.washingtonpost.com/wp-dyn/content/article/2010/01/14/AR2010011404417_2.html
(10) http://www.newamerica.net/
(11) http://www.thewashingtonnote.com/
(12) http://www.thewashingtonnote.com/archives/2010/01/american_diplom/
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