sábado, 24 de julho de 2010

De que importa Alain Badiou? (Breve rascunho sobre a Verdade.)

Alain Badiou, filósofo francês contemporâneo vem se destacando na construção de uma filosofia que recupere o ideal emancipatório há algum tempo abandonado pelos filosofos - em especial os franceses - e que trazia por nome a palavra comunismo.

O projeto filosófico de Badiou, contrariamente às tendências filosóficas dos últimos 30 anos, de matriz francesa, a chamada "nova filosofia", se preocupa eminentemente com as condições de um pensamento filosófico livre (ou seja, não constrangido por nenhum limite externo a não ser os limites internos que sua própria lógica impõe sobre ele) que, por óbvio, deve caminhar lado a lado com um projeto político emancipatório que, em última instância, crie condições concretas de o pensamento ser, de fato, livre.

Aqui, no campo filosófico, Badiou enxerga muito lucidamente o que é o problema contemporâneo da filosofia: a reinvenção da Verdade, da idéia de verdade, descartada por esta mesma filosofia francesa como algo intrinseca (e talvez ontologicamente) totalitária. Mas sem uma noção de Verdade não é possível nem pensamento filosófico, nem projeto político emancipatório concreto (ou seja, organizado).

Badiou está com a Verdade.

Badiou parte portanto de uma noção bastante interessante. Reinventar a Verdade significa rediscutir sua validade e sua força. Uma Verdade não pode ser algo simplesmente Universal como que externa às particularidades (ou melhor, às singularidades) que a ela se subordinam. (esta é a verdade totalizante para qual aponta todo o fetichismo pós-moderno). Tampouco a Verdade pode ser algo estritamente singular e, portanto, identitária como nos aponta a filosofia (esta sim totalitária) do multiculturalismo e suas nuâncias comunitaristas e liberais.

Uma Verdade é sempre uma singularidade universal.

A Filosofia é a forma lógica de aparecimento de uma Verdade que surge, originariamente, sempre como um Evento singular que descarrila a lógica precedente do pensamento universal. Em outras palavras, a filosofia mapeia as regras universais do pensamento lógico, com base em Eventos singulares que colocaram em xeque a lógica racional precedente (ou o pensamento universal precedente). Estes eventos são sempre de 4 ordens (ou como diria Zizek, principal interlocutor de Badiou, eles são de "3 + 1" ordens): A ciência; a arte; a política e, finalmente, o amor.

Assim, a filosofia (e aqui Badiou é claramente hegeliano na medida em que aceita abertamente o fato de a filosofia ser a "capacidade racional do gênero humano") recolhe eventos descobertas, e invenções das artes, das ciências, da política e/ou do amor para mapear as regras universais do pensamento humano.

Mas porque Zizek faz a ressalva de que estas 4 ordens de eventos são, na verdade 3 + 1? Porque a forma como estes Eventos (Descobertas, invenções, criações etc) aparecem e se organizam internamente ao procedimento-verdade a que correspondem tem por matriz o Amor. Ou seja, destas 4 "formas" do evento, o Amor é a "forma" que atravessa todas as outras. Como?

O Amor nada mais é do que um encontro que arranca o sujeito da continuidade monótona do cotidiano criando um abismo na e para a Razão, para o continuismo lógico e confortável da rotina. Mas enquanto isto o Amor não é ainda "para si" (se me permitem cruzar duas filosofias). O Amor se "completa" quando nos mantemos fiéis a este encontro, ou seja, quando aceitamos plenamente o abismo que se abre diante de nós e, a partir daí, reconstruímos a lógica do mundo e ressignificamos o mundo, sem exceções, a partir deste encontro. Nisto consiste a mágica do Amor. O mundo, embora esteja lá como sempre esteve, nunca mais é o mesmo. E a fidelidade consiste em jamais trair esta máxima, em jamais tergiversar ou agir cinicamente contra este "algo a mais", este aroma diferente no ar que preenche o mundo.

Em síntese: a matriz lógica (e portanto racional do amor) é a de um encontro com o inominável que obriga a refundação da racionalidade reflexiva do agir no mundo em caráter de fidelidade. Nisto a ciência, a política e a arte agem segundo a mesma matriz. Uma hipótese científica que descarrila a lógica paradigmática (para usar um termo em moda) precedente só pode representar um avanço epistemológico se os cientistas agem por amor e por fidelidade à hipótese. Uma política militante organizada (a única política que existe, o resto não é política, mas polícia) também é o processo de fidelidade (e amor) a uma hipótese política que põe em xeque as regras do stablishment estatal. E a arte também é a sucessão de obras fiéis a(e cheias de amor por) uma hipótese artística em ruptura com a estética do status quo.

A Verdade é aquilo que se cria no processo em que esta fidelidade organiza e alinha as coisas do mundo, as positividades do mundo em que ela opera, de forma a validar e comprovar a hipótese. Tal como São Paulo, apóstolo e militante, saiu em busca da validação da hipótese da ressureição por amor ao Evento chamado Cristo. E é claro que este processo (como também nos aponta a matriz do Amor) é infinito. O que não quer dizer que processos de verdade não se esgotem, por forças reacionárias externas, por sujeitos deste processo que resolvem traí-lo, ou pela totalização deste processo na figura de um sujeito que se arvora no direito de constituí-lo a despeito dos demais sujeitos envolvidos.

Mas o crucial desta concepção (amorosa) da Verdade, como um singular Universal é a compreensão da lógica dos fracassos. Todo este raciocínio de Badiou é fundamental para entender que um fracasso de um projeto político, científico e artístico (+ amoroso) nunca é um fracasso tautológico ou universal. Ou seja, não se pode explicar o fracasso com base num "deu errado porque tinha que dar errado mesmo... estava óbvio desde o início"; tampouco com base em um "deu errado porque esta idéia de comunismo/o surrealismo/o teorema de Fermat/o amor é impossível".

Todo fracasso que diga respeito a um destes processos pode ser explicado a partir de um ponto singular em que, no processo, as coisas tomaram o caminho errado. E com isso, abre-se o debate sobre o fracasso dos SOREX (socialismos realmente existentes): a hipótese comunista deve ser abandonada? Se sim, como explicar que um Evento político em processo de verdade se distingue radicalmente de um evento científico, por exemplo? Quer dizer que o Teorema de Fermat, a qual a matemática deve grande parte de seus desenvolvimentos, e precisamente por causa dos sucessivos fracassos em comprová-lo (até que Wilies o fez há alguns anos), deveria ter sido abandonado há 3 séculos atrás?

Amemos a hipótese comunista. E sejamos os únicos capazes de amar e compreender a lógica do fracasso das formas concretas de sua existência histórica.

A Verdade voltou!

2 comentários:

Laoziano disse...

A verdade é o inverso da busca pela realidade. Já pensou nisso?

Cristian Mq disse...

E por que seria a 'verdade' a inversão da 'realidade'? Para não cairmos na discussão semântica, penso a 'realidade' como representação (no sentido kantiano) e a 'verdade' como evento decidido por um sujeito indiscernível.