terça-feira, 4 de janeiro de 2011

O fascismo sustenta o Lulismo, ou o Lulismo sustenta o fascismo?

Todo fascismo é testemunho

de uma revolução fracassada.

- Walter Benjamin

Roland Corbisier disse a respeito da Revolução dos Cravos em Portugal na década de 70 que ‘[a revolução dos cravos] prova que é possível ser militar sem ser fascista’. Poderíamos afirmá-lo hoje também a respeito da Venezuela de Chavez. Mas e no Brasil de Lula e Dilma?

Após sua cerimônia de posse, a secretária de Direitos Humanos do governo Dilma, Maria do Rosário, reafirmou a necessidade da criação da Comissão da Verdade proposta pela mesma secretaria em projeto de lei de maio do ano passado, ainda sob o governo Lula. Segundo Maria do Rosário, a tal comissão teria por finalidade ‘resgatar a memória e a dignidade dos desaparecidos durante a ditadura’.

Logo após, Dilma fez um comentário que mais parece uma ressalva: ‘As forças armadas também fazem parte da consolidação da democracia’. E ressaltou que tinha certeza que as forças armadas também tinham interesse em estar juntas neste processo.

Mas horas depois foi a vez da cerimônia de posse do General José Elito Siqueira, ministro do ‘Gabinete de Segurança Institucional’ do governo Dilma. E parece que o General discorda de Dilma. Mas apenas parcialmente. É que para ele o ‘movimento de 64’ (este é o termo com que o General se refere ao golpe) deve ser tratado como ‘um dado histórico da nação, seja com prós e com contras [grifo nosso], mas como dado histórico. Os desaparecidos são história da nação que não temos de nos envergonhar ou nos vangloriar [grifo nosso]. Temos que estudá-lo como fato histórico’. É que se trata, para ele, de ‘olhar para frente’ e de ‘pensar nas melhorias do nosso país para as futuras gerações’.

E logo depois também o General Enzo Peri, logo após o discurso de cerimônia do Gen José Elito, reafirmou o discuro de olhar para frente, contradizendo Dilma no que se refere ao suposto ‘interesse’ das Forças Armadas em apurar as torturas do tal ‘movimento de 64’. E isto tudo na frente de 300 militares que estavam presentes na cerimônia.

A Institucionalidade do Gabinete de Segurança Institucional.

Bem, quais são as funções do ‘Gabinete de Segurança Institucional’? Entre elas estão a de ‘prevenção da ocorrência e articulação do gerenciamento de crises em caso de grave e iminente ameaça à estabilidade institucional’ e a de ‘coordenação das atividades de inteligência federal e de segurança da informação’. (www.gsi.gov.br/sobre).

Ora, sob o ponto de vista estritamente ‘institucional’, portanto: ou esse papinho de apurar os crimes da ditadura é nada mais nada menos do que aquilo que Peter Sloterdijk chamou de ‘razão cínica’ como processo de legitimação discursiva própria da nossa era, ou seja, algo que não é pra ser levado realmente a sério e cuja eficácia reside precisamente nisto; ou, no caso de ser prova da ‘sinceridade e da sensibilidade feminina’ de Dilma Roussef, essa divergência entre os dois ministros pode levar a uma ‘instabilidade institucional’. Caso em que será chamado para dirimir a crise, ninguém menos que o General Siqueira, como lhe compete ‘institucionalmente’.

De outro lado, não há muito o que se preocupar porque, de qualquer forma, a função de controlar as atividades de inteligência e ‘zelar pela segurança da informação’ também é competência ‘institucional’ do General Siqueira. Que é abertamente contra a apuração e publicização dos atos criminosos conduzidos pelas forças armadas na redentora de 64.

De que é nome o termo ‘segurança institucional’?

Ou, dito de outra forma, que significa dizer, como disse Dilma, que ‘as forças armadas fazem parte da consolidação da democracia’? Pois aqui, me parece que ela e os generais gorilas concordam plenamente.

De que depende a ‘segurança institucional’ de uma democracia ocidental? Da lei (e das instituições democráticas que, em última análise são parte do regime constitucional e fundadas sob uma lei). Mas e a lei, depende de quê?

Kelsen diria, de uma grundnorm, de uma norma fundamental pressuposta que põe a validade da lei, que é em si a validade da lei como dádiva, como ‘graça’, para usar um termo teológico. É que a lei em Kelsen, como em Kant, é impessoal, é despersonalizada. Ela é um ‘enunciado sem sujeito’. Não é que Kelsen ou Kant desconsiderem o caráter eminentemente humano de todas as leis, sejam elas morais ou jurídicas. Mas aqui um argumento muito similar ao da ‘coisa-em-si’ é posto em andamento: embora o espírito esteja preso na esfera subjetiva, na forma de um ideal regulativo nós agimos ‘como se’ o conteúdo objetivo da lei estivesse lá e ‘como se’ ele fosse possível. Portanto o conteúdo objetivo da lei é uma ilusão, mas uma ilusão necessária.

Mas foi Lacan quem demonstrou a verdade desta impessoalidade da lei kantiana em seu Kant com Sade: onde o imperativo categórico (que aplicado ao ordenamento é a grundnorm) aparece como impessoal e, portanto, onde os citoyen burgueses abdicam de parte do seu gozo pessoal em nome de uma lei Universal ‘despersonalizada’, aparece, em seu lugar, a figura do Carrasco Sádico e do Outro. O gozo abdicado não é simplesmente perdido. Usando a metáfora energética freudiana, não pode, aqui, haver perdas. Mas este gozo ‘perdido’ aparece na forma de um gozo superegóico e perverso e o Carrasco Sádico é aquele sujeito perverso que age como instrumento do Gozo do Outro. E Lacan lança um desafio: encontrar no pensamento do marquês de Sade um único aforisma que contradiga o imperativo categórico de Kant. (Lacan lembra que, inclusive, para o sádico o sofrimento a ser imposto aos outros pode muito bem ser imposto a si próprio por outro. Portango ‘age de tal forma que sua ação possa ser válida para todos’).

Portanto a própria lei se baseia estruturalmente num excesso superegóico e, qualquer ordem social, se baseia numa violência. Violência que Benjamin chamaria de ‘objetiva’, ou seja, uma violência que não é imputável a um sujeito qualquer, mas que é inerente à ordem social, objetivamente. Em alguma medida, o Estado pode e sabe que pode fazer o que for preciso para manter a ordem em que se baseia e a ordem que defende.

Esta é a tese fundamental das primeiras teorias sobre o fascismo que, acertadamente, mostravam o fascismo como o ‘excesso superegóico’ do regime burguês. Pois o fascismo, na medida em que era também um regime do capitalismo, demonstrava até onde os setores mais reacionários do capital financeiro (o caso mais conhecido foi o da IBM, mas existem outros) estavam dispostos a ir para barrar qualquer tentativa de levante popular organizado que puzesse em cheque os privilégios da ordem burguesa.

Contrariamente às teorias arendtianas sobre totalitarismo que tentam isentar o capitalismo de qualquer culpa sobre o fascismo e, de quebra, imputá-la aos movimentos populares organizados e às organizações sindicais combativas, as teorias revolucionárias sobre o fascismo (de que fala Konder em seu Introdução ao Fascismo), demonstram que o fenômeno fascista emerge quando aquilo que, do poder burguês, é recalcado no discurso democrático retorna no discurso fascista na forma de terrorismo de estado e defesa do capital financeiro.

Segurança Institucional significa, aqui, aquilo que garante a exploração da classe burguesa sobre os trabalhadores sob condições sociais muito frágeis e complexas. E esta estabilidade cai por terra se não estiver baseada num excesso superegóico de violência fascista que, no momento certo, garante o terrorismo de estado contra as forças populares. Que o fascismo seja, como disse Benjamin, testemunho de uma revolução fracassada, quer dizer isto: que o fascismo é o fenômeno que emerge toda vez que é necessário à burguesia deixar de lado o mise-en- scène democrata e barbarizar contra forças populares que ameaçam o sistema do capital.

O recrudescimento da direita proto-fascista, racista, xenófoba e fundamentalista no Brasil, como assistimos nas disputas eleitorais entre Serra e Dilma, é decorrência desse compromisso tácito entre as forças democráticas do Partido Termidoriano e as forças fascistas do desenvolvimentismo golpista. E foi o PT quem favoreceu este recrudescimento.

Ademais, vale uma última reflexão, que o capitalismo seja o elo de união entre democracia e fascismo me parece evidente (como evidente é que as teorias do Totalitarismo tem por objetivo unicamente mascarar esse fato). Mas então, não seria muito esclarecedor o fato de Delfim Neto ser o economista entusiasta tanto do governo Médici (e Castelo Branco) quanto do governo Dilma?





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