O filósofo esloveno Slavoj Zizek esteve no Brasil em outubro (Rio, Salvador, São Paulo) para lançar "A visão em paralaxe" (Boitempo) em que reflete sobre questões atuais buscando revitalizar a dialética de Hegel e destaca a importância da psicanálise no reino das ciências cognitivas. Nesta entrevista, conta quais são suas impressões do país e analisa os novos dilemas da crise financeira internacional, a qual, em sua opinião, tem paralelos profundos com o choque causado pelo 11 de Setembro. Diz que em Marx não há como encontrar respostas para a crise. Segundo Zizek, é possível que as partes mais dinâmicas da sociedade no mundo hoje não estejam evoluindo em direção a democracias.
O GLOBO: Como foi sua passagem pelo Brasil?
SLAVOJ ZIZEK: Para mim, a cidade é São Paulo. Embora o usual seja dizer que a Bahia é o máximo, com uma imagem relacionada ao carnaval e ao prazer de viver, prefiro São Paulo. Gosto de cidades grandes, vidas orsanizadas, espírito de trabalho, disciplina. Eu não poderia me imaginar morando na Bahia. Mas gosto também da estrutura não-rtransparente da cidade de São Paulo, ao contrário do que é Nova York, com suas ruas definidas com números. Mesmo no Rio, a estrutura é mais transparente. São Paulo é mais caótica. Agora, tem algo de que gosto no Rio e também na Bahia. E isso me fascina no Brasil: vocês não escodem suas favelas. Um quarteirão pode ser muito rico e, logo depoi!?, vem a favela. O que faz uma cidade bonita não são as praias bonitas etc; eu gosto do caos, do caos vibrante. Veja, em Nova York não suporto quando entramos numa cafeteria e há esse ambiente de normalização: um garçom se apresenta, diz que está nos servindo, pergunta se tivemos um bom dia e se estamos bem. Não gosto dessas amizades pseudo-ritualizadas. Agora, um evento mítico para mim a respeito do Brasil é o de Canudos, na Bahia, cuja história conheci através do livro de Mario Vargas Llosa ("A guerra do fim do mundo"). Foi uma comunidade que conseguiu sobreviver no meio do nada por muito mais tempo que a centena de comunidades de socialistas utópicos que se multiplicavam nos EUA na época. Há algo miraculoso com Canudos.
É um tipo de auto-suficiência insustentável hoje, não?
ZIZEK: Não digo que devemos transformar o mundo numa grande Canudos, mas faz pensar e em questões interessantes. Na questão alimentar, é impossível hoje a auto-suficiência. Quando a há necessidade de ajuda alimentar, o dinheiro custa a chegar. As grandes potências já reconheceram sua falência nisso. Na questão ecológica, muita gente fala de aquecimento global, é um blá-blá-blá. Li recentemente que milhares de pessoas morrem na Inglaterra esperando por operações de câncer. Mas agora temos uma crise financeira e não houve problema em se obterem bilhões de dólares em poucos dias. É a força real do capital. Há algo irônico nisso: usa-se o dinheiro para restabelecer crença e confiança. É sugestão, parece mágico. Aos poucos, vemos as limitações do sistema.
Vê paralelo entre o impacto desta crise com o que se viu no pós-11 de Setembro? No primeiro caso, a crise chegou de fora; agora inicia-se dentro...
ZIZEK: Paralelos profundos. O 11 de Setembro foi importante por suas dimensões ideológicas. Agora, há um choque equivalente. Primeiramente, os EUA sempre gostaram de se ver como uma ilha de segurança. Além disso, simbolicamente o 11 de Setembro representou o fim da utopia. Não da utopia socialista ou relacionada ao sistema de proteção social, mas a utopia de Fukuyama, que decretara o fim da história, depois da queda do Muro de Berlim, num período de expansão do capitalismo liberal. Foi o fim dessa era feliz. Voltou-se à História, aos conflitos locais entre os povos. Se o 11 de Setembro causou um choque de cunho mais político e militar, agora atinge-se a utopia do capitalismo liberal . Pode-se até superestimar as atuais consequências da crise - acho que não haverá uma gigantesca recessão -mas há um choque nos aspectos utópicos da globalização econômica. E repare que a linguagem usada pelo presidente Bush é praticamente a mesma que usou depois de 11 de Setembro. "Nosso estilo de vida está em perigo, devemos esquecer nossas difenreças políticas, nos unir todos pelo país". Um tanto irônico.
Obama repete o discurso?
ZIZEK: Ele fez algo certo num debate com McCain, quando este disse que era hora de esquecer diferenças políticas. Obama disse não, que aquela era a hora do debate. O que devemos fazer? Esta é a verdadeira questão para mim, o verdadeiro debate político? como proceder para lidar com as limitações do sistema. Isso se relaciona a uma visão politica. Sabemos, também, que os modelos conhecidos para agir no mercado não são a verdadeira alternativa. Nem o antigo socialismo de intervenção direta, nem algo mais latino-americano, como uma economia de Estado populista, como a de Hugo Chávez. Talvez algo diferente esteja ocorrendo na China. É preciso encontrar novas formas coletivas de ação. Há decisões básicas que não podem ser deixadas nas mãos do mercado, mas meu ponto é: na verdade muitas delas não estão nas mãos do mercado. Há uma hipocrisia nos paises desenvolvidos que é preciso confrontar. Eles pregam uma economia liberal para os paises de terceiro mundo, mas violam as regras o tempo todo. Os EUA financiam seus produtores de algodão para que este não seja comprado na África, como no Mali, onde a produção é mais barata e os fazendeiros moram nas favelas. O subsídio americano a esses agricultores nos EUA é maior que o PIB do Mali. Então, a crise nos deixa com o pé atrás não apenas em relação ao livre mercado, mas de certa forma nunca houve livre mercado. Veja a União Européia: metade do seu orçamento é para subsidiar agricultores. Os limites estão ficando claros, e temos um grande desafio quanto ao que fazer.
O momento é, portanto, de grande indefinição.
ZIZEK: Isso é outra coisa que me choca. Veja, cada vez mais o capitalismo tem dificuldade de trabalhar no nível da propriedade intelectual, para definir quais são os direitos legais desta. Na internet, há algo nos produtos intelectuais que resiste à propriedade privada. A economia digital tem um fundo socialista; os produtos foram artificialmente adaptados na fórmula capitalista, mas não funciona muito bem. Quero dizer que vivemos em tempos interessantes, em que há grandes confusões. Agora, com esta crise, alguns dos meus amigos cairam na armadilha de dizer que temos a chance de voltar à economia real, e sair da especulação virtual. Ora, não há "economia real". Trata-se de uma maravilhosa contradição. Um dos slogans desde setembro é que devemos abandonar a especulação Irreal. Também se diz que é preciso salvar os bancos, sob o risco de uma gravíssima crise. É preciso salvar o banco porque o dinheiro é real. Devemos superar essas metáforas ingênuas. O fato é que há um mecanismo irracional em jogo. É preciso não só acreditar, como acreditar que os outros acredi- tam. Talvez a melhor solução seja não fazer nada. Se os governos põem tanto dinheiro, então a mensagem é que o problema é mesmo profundo. Quanto mais se tenta resolver o roblema, mais pânico se gera. tudo frágil, baseado em confiança. Isso é algo louco sobre o capitalismo.
Está se voltando a Marx...
ZIZEK: E ainda mais a Keynes. No meu caso, posso dizer que Marx não tem repostas, mesmo que tenha insights do mecanismo do capitalismo. Para Marx, a mais importante fonte de valor é o trabalho. Mas ele próprio disse algumas vezes que, com o desenvolvimento tecnológico, o fator chave na produção deixaria de ser o trabalho mecânico. O conhecimento e as especialidades passariam a ter outra importância. Estamos neste nível hoje. Marx não é a resposta, mas devemos repetir, hoje, a mesma pergunta que fez em relação ao capitalismo do século XIX. Temos algumas tentativas teóncas, como no caso de Antonio Negri ou Giddens, mas é jornalismo teorético. Hoje temos um bom argumento a favor do capitalismo. Em geral, diz-se que leva a alguma liberdade, mesmo com periodos de ditadura, como no Chile. Mas não concordo com quem diz que, com o desenvolvimento, daqui a 20 anos a China vai se democratizar. Algo muito dinâmico está se produzindo lá, genuinamente novo. Talvez o dinamismo da sociedade não esteja se movendo em direção à democracia. Isso deveria nos preocupar. Vejamos a VenezueIa. Não sou pró-Chávez, mas ele foi o primeiro que tentou mobilizar politicamente os excluidos nas favelas. Como era o pais antes de Chávez? Era melhor para os excluidos?
O exercício de paralaxe, uma certa desconstrução do olhar, é pois fundamental.
ZIZEK: Sim, mas vamos esquecer agora a politica. Meu coração está na primeira parte do livro ("A visão em paralaxe''). Busco revitalizar a dialética de Hegel. Na segunda parte tento salvar a psicanálise do ataque das ciências cognitivas, e mostrar como podem colaborar entre si. Sou a favor de Hegel mesmo contra Marx. A visão de Marx sobre Hegel foi um .r equívoco. Hegel é capaz de nos o oferecer respostas mais proe fundas. Não apenas políticamente. Precisamos de filosofia. Hoje, os cientistas conseguem conectar diretamente o neurônio a um computador, que, assim, permite que se faça movimentos apenas com o pensamento. Modifica-se a percepção do que é ser humano. Nisso Fukuyama estava certo, ao falar sobre as transformações da biogenética. A liberdade não está perdida, mas quando nos tornamos tão mestres de nós mesmos, algo na liberdade se modifica. Devemos pensar muito a respeito.
O que seria a "merda divina" de que fala no livro?
ZIZEK: E irônico, ligado a Martinho Lutero. Para ele, o ser humano é o pedaço de merda que caiu do ânus de Deus. É a mais horrivel definição do ser humano. Não é fácil explicar aqui, mas se relaciona ao fato de que quando você aceita que está totalmente abandonado por Deus, está na posição de Cristo na cruz, que pergunta "pai, porque me abandonaste?". Algo inacreditável aconteceu ali. Todos fomos abandonados, inclusive Deus. Por um momento, Deus também se tornou ateu. Ficamos sós, a comunidade dos crentes sem Deus. Sou totalmente ateu, mas acho que no cristianismo encontramos certa lógica coletiva, uma lógica de emancipação coletiva que pe absolutamente crucial e preciosa, hoje mais do que nunca.
O GLOBO: Como foi sua passagem pelo Brasil?
SLAVOJ ZIZEK: Para mim, a cidade é São Paulo. Embora o usual seja dizer que a Bahia é o máximo, com uma imagem relacionada ao carnaval e ao prazer de viver, prefiro São Paulo. Gosto de cidades grandes, vidas orsanizadas, espírito de trabalho, disciplina. Eu não poderia me imaginar morando na Bahia. Mas gosto também da estrutura não-rtransparente da cidade de São Paulo, ao contrário do que é Nova York, com suas ruas definidas com números. Mesmo no Rio, a estrutura é mais transparente. São Paulo é mais caótica. Agora, tem algo de que gosto no Rio e também na Bahia. E isso me fascina no Brasil: vocês não escodem suas favelas. Um quarteirão pode ser muito rico e, logo depoi!?, vem a favela. O que faz uma cidade bonita não são as praias bonitas etc; eu gosto do caos, do caos vibrante. Veja, em Nova York não suporto quando entramos numa cafeteria e há esse ambiente de normalização: um garçom se apresenta, diz que está nos servindo, pergunta se tivemos um bom dia e se estamos bem. Não gosto dessas amizades pseudo-ritualizadas. Agora, um evento mítico para mim a respeito do Brasil é o de Canudos, na Bahia, cuja história conheci através do livro de Mario Vargas Llosa ("A guerra do fim do mundo"). Foi uma comunidade que conseguiu sobreviver no meio do nada por muito mais tempo que a centena de comunidades de socialistas utópicos que se multiplicavam nos EUA na época. Há algo miraculoso com Canudos.
É um tipo de auto-suficiência insustentável hoje, não?
ZIZEK: Não digo que devemos transformar o mundo numa grande Canudos, mas faz pensar e em questões interessantes. Na questão alimentar, é impossível hoje a auto-suficiência. Quando a há necessidade de ajuda alimentar, o dinheiro custa a chegar. As grandes potências já reconheceram sua falência nisso. Na questão ecológica, muita gente fala de aquecimento global, é um blá-blá-blá. Li recentemente que milhares de pessoas morrem na Inglaterra esperando por operações de câncer. Mas agora temos uma crise financeira e não houve problema em se obterem bilhões de dólares em poucos dias. É a força real do capital. Há algo irônico nisso: usa-se o dinheiro para restabelecer crença e confiança. É sugestão, parece mágico. Aos poucos, vemos as limitações do sistema.
Vê paralelo entre o impacto desta crise com o que se viu no pós-11 de Setembro? No primeiro caso, a crise chegou de fora; agora inicia-se dentro...
ZIZEK: Paralelos profundos. O 11 de Setembro foi importante por suas dimensões ideológicas. Agora, há um choque equivalente. Primeiramente, os EUA sempre gostaram de se ver como uma ilha de segurança. Além disso, simbolicamente o 11 de Setembro representou o fim da utopia. Não da utopia socialista ou relacionada ao sistema de proteção social, mas a utopia de Fukuyama, que decretara o fim da história, depois da queda do Muro de Berlim, num período de expansão do capitalismo liberal. Foi o fim dessa era feliz. Voltou-se à História, aos conflitos locais entre os povos. Se o 11 de Setembro causou um choque de cunho mais político e militar, agora atinge-se a utopia do capitalismo liberal . Pode-se até superestimar as atuais consequências da crise - acho que não haverá uma gigantesca recessão -mas há um choque nos aspectos utópicos da globalização econômica. E repare que a linguagem usada pelo presidente Bush é praticamente a mesma que usou depois de 11 de Setembro. "Nosso estilo de vida está em perigo, devemos esquecer nossas difenreças políticas, nos unir todos pelo país". Um tanto irônico.
Obama repete o discurso?
ZIZEK: Ele fez algo certo num debate com McCain, quando este disse que era hora de esquecer diferenças políticas. Obama disse não, que aquela era a hora do debate. O que devemos fazer? Esta é a verdadeira questão para mim, o verdadeiro debate político? como proceder para lidar com as limitações do sistema. Isso se relaciona a uma visão politica. Sabemos, também, que os modelos conhecidos para agir no mercado não são a verdadeira alternativa. Nem o antigo socialismo de intervenção direta, nem algo mais latino-americano, como uma economia de Estado populista, como a de Hugo Chávez. Talvez algo diferente esteja ocorrendo na China. É preciso encontrar novas formas coletivas de ação. Há decisões básicas que não podem ser deixadas nas mãos do mercado, mas meu ponto é: na verdade muitas delas não estão nas mãos do mercado. Há uma hipocrisia nos paises desenvolvidos que é preciso confrontar. Eles pregam uma economia liberal para os paises de terceiro mundo, mas violam as regras o tempo todo. Os EUA financiam seus produtores de algodão para que este não seja comprado na África, como no Mali, onde a produção é mais barata e os fazendeiros moram nas favelas. O subsídio americano a esses agricultores nos EUA é maior que o PIB do Mali. Então, a crise nos deixa com o pé atrás não apenas em relação ao livre mercado, mas de certa forma nunca houve livre mercado. Veja a União Européia: metade do seu orçamento é para subsidiar agricultores. Os limites estão ficando claros, e temos um grande desafio quanto ao que fazer.
O momento é, portanto, de grande indefinição.
ZIZEK: Isso é outra coisa que me choca. Veja, cada vez mais o capitalismo tem dificuldade de trabalhar no nível da propriedade intelectual, para definir quais são os direitos legais desta. Na internet, há algo nos produtos intelectuais que resiste à propriedade privada. A economia digital tem um fundo socialista; os produtos foram artificialmente adaptados na fórmula capitalista, mas não funciona muito bem. Quero dizer que vivemos em tempos interessantes, em que há grandes confusões. Agora, com esta crise, alguns dos meus amigos cairam na armadilha de dizer que temos a chance de voltar à economia real, e sair da especulação virtual. Ora, não há "economia real". Trata-se de uma maravilhosa contradição. Um dos slogans desde setembro é que devemos abandonar a especulação Irreal. Também se diz que é preciso salvar os bancos, sob o risco de uma gravíssima crise. É preciso salvar o banco porque o dinheiro é real. Devemos superar essas metáforas ingênuas. O fato é que há um mecanismo irracional em jogo. É preciso não só acreditar, como acreditar que os outros acredi- tam. Talvez a melhor solução seja não fazer nada. Se os governos põem tanto dinheiro, então a mensagem é que o problema é mesmo profundo. Quanto mais se tenta resolver o roblema, mais pânico se gera. tudo frágil, baseado em confiança. Isso é algo louco sobre o capitalismo.
Está se voltando a Marx...
ZIZEK: E ainda mais a Keynes. No meu caso, posso dizer que Marx não tem repostas, mesmo que tenha insights do mecanismo do capitalismo. Para Marx, a mais importante fonte de valor é o trabalho. Mas ele próprio disse algumas vezes que, com o desenvolvimento tecnológico, o fator chave na produção deixaria de ser o trabalho mecânico. O conhecimento e as especialidades passariam a ter outra importância. Estamos neste nível hoje. Marx não é a resposta, mas devemos repetir, hoje, a mesma pergunta que fez em relação ao capitalismo do século XIX. Temos algumas tentativas teóncas, como no caso de Antonio Negri ou Giddens, mas é jornalismo teorético. Hoje temos um bom argumento a favor do capitalismo. Em geral, diz-se que leva a alguma liberdade, mesmo com periodos de ditadura, como no Chile. Mas não concordo com quem diz que, com o desenvolvimento, daqui a 20 anos a China vai se democratizar. Algo muito dinâmico está se produzindo lá, genuinamente novo. Talvez o dinamismo da sociedade não esteja se movendo em direção à democracia. Isso deveria nos preocupar. Vejamos a VenezueIa. Não sou pró-Chávez, mas ele foi o primeiro que tentou mobilizar politicamente os excluidos nas favelas. Como era o pais antes de Chávez? Era melhor para os excluidos?
O exercício de paralaxe, uma certa desconstrução do olhar, é pois fundamental.
ZIZEK: Sim, mas vamos esquecer agora a politica. Meu coração está na primeira parte do livro ("A visão em paralaxe''). Busco revitalizar a dialética de Hegel. Na segunda parte tento salvar a psicanálise do ataque das ciências cognitivas, e mostrar como podem colaborar entre si. Sou a favor de Hegel mesmo contra Marx. A visão de Marx sobre Hegel foi um .r equívoco. Hegel é capaz de nos o oferecer respostas mais proe fundas. Não apenas políticamente. Precisamos de filosofia. Hoje, os cientistas conseguem conectar diretamente o neurônio a um computador, que, assim, permite que se faça movimentos apenas com o pensamento. Modifica-se a percepção do que é ser humano. Nisso Fukuyama estava certo, ao falar sobre as transformações da biogenética. A liberdade não está perdida, mas quando nos tornamos tão mestres de nós mesmos, algo na liberdade se modifica. Devemos pensar muito a respeito.
O que seria a "merda divina" de que fala no livro?
ZIZEK: E irônico, ligado a Martinho Lutero. Para ele, o ser humano é o pedaço de merda que caiu do ânus de Deus. É a mais horrivel definição do ser humano. Não é fácil explicar aqui, mas se relaciona ao fato de que quando você aceita que está totalmente abandonado por Deus, está na posição de Cristo na cruz, que pergunta "pai, porque me abandonaste?". Algo inacreditável aconteceu ali. Todos fomos abandonados, inclusive Deus. Por um momento, Deus também se tornou ateu. Ficamos sós, a comunidade dos crentes sem Deus. Sou totalmente ateu, mas acho que no cristianismo encontramos certa lógica coletiva, uma lógica de emancipação coletiva que pe absolutamente crucial e preciosa, hoje mais do que nunca.
8 comentários:
Esse papinho de "eu acho MUITO LEGAL ter uma favela em meio a um bairro chique " foi a EXATA MESMA COISA que eu detestei quando vi uma palestra da genial Cristina Rauter.
Acho meio coisa de esquerdista-utopico-'metido a Robin Hood'...
Se DESSE, escondiamos TODAS as favelas. O Rio nao "esconde" suas favelas porque a coisa ja degringolou faz tempo.
Quem ve, pensa que as favelas estao no meio de Ipanema ou Leblon por causa de um certo plano diretor carnavalizado "viva e deixe viver" e de uma "consciencia de diversidade".
DEFINITIVAMENTE nao.
Concordo, mas será que a vantagem que ele aponta não é justamente o fato de que a coisa degringolou pra isso, sem que ninguém tivesse planejado?
Como se a favela tivesse, sem planejamento nenhum, despontado no meio da tríade da zona sul (ipanema, copacabana, leblon) como um retorno do recalcado... como se o real tivesse irrompido no cenário urbano "burguês". E com isso podemos tirar uma ética a partir dessa imagem.
Eu acho o Zizek meio comediante. Para mim ele faz um jogo importante: é como o reverso do capitalismo cínico que o Lyotard uma vez viu (atualizando Adorno) e que hoje ri de si mesmo, como uma paródia. Zizek inverte a equação fazendo uma auto-paródia que não se estanca jamais, polarizando com as mesmas armas do inimigo.
Pelo menos dos textos que li dele em mídia escrita foi o que deduzi. Não que ele não possa ter textos mais sérios, como aquele da ética, mas essa função acho importante tb.
Essa minha idéia vem dos trabalhos do Vladimir Saffatle, professor da USP que vem escrevendo muita coisa interessante sobre as relações entre riso, cinismo e capitalismo.
Claro. Inclusive também to lendo cinismo e falência da crítica dele.
Mas acho que a questão do Zizek é bem essa! Acho que vc acertou em cheio. Só que numa linguagem lacaniana, podemos dizer que ele é um "objeto pequeno (a)" e como tal ele se coloca na posição de subjetivizar (e de responsabilizar mesmo) o sujeito pós-moderno pelo conformismo da pós-política. OU, ainda melhor, responsabilizar cada um de nós pelo fim da história!
Também não sei até onde vai essa postura, mas ouso dizer que até agora, tem sido crucial inclusive para a importância que se tem dado a todos os outros pensadores da EGS, de Agambem a Mouffe e Butler...
o que tu acha?
Reformulando o finalzinho do que acabei de dizer (hehehehe):
Acho que essa postura do Zizek têm sido crucial inclusive para chamar a atenção para o que o pessoal da EGS anda fazendo, como grupo coeso e dogmático de pensamento crítico contemporâneo.
O que é EGS?
Pelo menos metade do que eu escuto só existe porque a geografia do rio é essa coisa bizarra, então acho ótimo. Mas foi-se o tempo em que significava proximidade no sentido de laço mecânico, troca afetivo-cultural por estar-junto no espaço. Não é a toa que a bossa nova foi pra u.t.i e o rap foi sequestrado dos recônditos paulistas. De certa forma o brasileiro cordial virou funkeiro profano, caso sacralizem o samba com vinhetas "globais" ou o seu inverso perverso: a defesa pseudo-intelectual do samba puro que não se deixa contaminar por bla bla bla... Não é o céu, mas já é alguma coisa. Fazendo um link com teu post anterior e com um comentário genial do Mox no meu, penso que qualquer tentativa de "algo mais global" que integre estes "meio puros" deve começar pela rejeição de qualquer unificação discursiva. Ainda que exista certa prática discursiva comum, a "comunhão" só pode ser transversal: nisto e talvez naquilo estejamos juntos. Basta, nos falamos outra hora, liga se precisar de alguma coisa. Quero dizer, o saber está incorporado, ninguém mais atura explicações. O contrário é dizer que o Tom Jobim não fazia samba porque ninguém ensinou ele que tava faltando percussão. Não se ensina sincretismo nem se profetiza hibridismos. Sem dúvida a questão que colocaste é muito importante: que tipo de integração é possível a partir do que JÁ EXISTE?
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