domingo, 25 de janeiro de 2009

Aplausos à quem, se não resta ninguém, se não presta ninguém?

Minha grande amiga e dissecadora de almas, Mariana Porto (nossa querida Marie) nos presenteou com uma crítica (in)direta sobre a produção intelectual de nossos estranhos tempos em seu blog Com açúcar, com afeto e o trabalho que alguns de nós, seus amigos, pretendemos fazer como destino de nossas vidas.

Aproveito a ocasião para passar um recado tão reconfortante quanto desconsertante para aqueles que pensam como ela e de quem gostamos muito, tanto que é imperativo ser violento e explícito nas respostas.

Nossa querida Marie, por cuja amizade tenho alto apreço critica aqueles que - e faço questão de vestir a carapuça - buscam da produção teórica seus meios de vida, fazendo-se expressar com citações e leituras rebuscadas que selecionam seu público de maneira, por vezes, egocêntrica, num jogo de vaidades típico da academia.

O problema é o que fazer diante deste (aparente) impasse da vida acadêmica? E aqui talvez vá o recado - menos acadêmico possível, prometo - que acredito compartilhar com todos aqueles amigos que também resolveram dispersar-se do rebanho pós-político dos nossos tempos de Gozo e expressão "livre" da individualidade.

Se todas as gerações passadas falharam ao arregaçar as mangas, a única conclusão que posso tirar disto é que a tarefa de transformar o mundo é mais imperativa do que nunca para nós, e cai sobre os ombros de nossa geração com muito maior peso. Nossas angústias, nossas crises, nossos choros são sempre e irremediavelmente um eterno descobrir de novos valores supremos que devemos estar dispostos a abdicar em nome de nossa Causa. Se sofremos por amor é porque o Amor se põe como valor comparável a Tarefa Revolucionária. Se brigamos com nossos pais, é porque queremos nossa Família livre de formas alienadas de Afeto. Se não planejamos grandes realizações individuais é porque no sucesso está sempre-já inscrito uma perda do Gozo prometido, como se o preço a pagar pela felicidade individual fosse a eterna silhueta desta felicidade, projetada mais e mais longe.

Problemas desta perspectiva utópica não estão no fato de não sabermos exatamente o que queremos. Mas em que campo de luta estamos nos rebatendo. O que queremos é claro: extinguir contradições inerentes ao capitalismo que tem em comum o fato de restringirem um expaço de comunhão, de compartilhamento e coexistência humanos e, neste sentido, somos ainda Comunistas. Pouco mais do que isto é necessário saber.

Os maiores problemas são, ao contrário, conhecer exatamente em que campo de luta estamos vagando. Não estamos nos dedicando a teoria porque somos tementes demais ao combate belicoso, mas porque este combate belicoso precisa ter o mapeamento claro deste terreno caótico que é a política e a cultura das últimas décadas. "Que ordem, afinal, existe, em meio a este caos?" é a pergunta que queremos responder! E a quem queremos aplaudir: não somos histéricos como nossos pais em 68. E é por isso que devemos não aplaudir. E sobretudo não aplaudir a eles!

Sua luta construiu nosso tempo de caos. Ajudou a criar o horizonte ideológico sobre o qual nossa geração teve que duelar desde a década de noventa, reduzidos a mera massa apática incapaz de agir fora dos joysticks e de criar fora das telas dos computadores. Azeitou uma máquina político-econômica em nome da qual nos dizem arrogantemente que somos incapazes de tomarmos as rédeas do Evento. É porque não podemos aplaudir ninguém, que não podemos aplaudir a Eles e, conseqüentemente, aos "ganhos indiscutíveis" que o capitalismo global e o liberalismo tolerante trouxeram para nossa "geração piá-de-prédio (que não sabe o que é dificuldade)"! Nossa "liberdade" hoje, só é sensivelmente possível porque faltam palavras que expressem nossa completa falta de liberdade!

Nossas citações são tijolos com os quais se constróem o edifício sobre o qual precisamos assentar nossos sonhos, estes mesmos sonhos que o Outro nos diz que flutuam a deriva no campo político, sem possibilidades de gerar nada de concreto! Pois bem, é desse concreto que queremos ver constirpada até a morte a proto-intelectualidade cínica que aplaude a arte como consumo, o mundo como inevitável, a vida e a insatisfação como administrativizáveis, o Impossível como adestrável... É esta morte que testemunhará que nossas reclamações não resultaram em um nada lacônico... muito menos Omisso!

Nossos tijolos devem demonstrar cruamente que o edifício teórico que assentam deve, sobretudo, provar que de tão humildes e tão insignificantes as nossas verdades, elas são as únicas que podem ser diretamente Universalizadas sem a mediação "caiada" de nenhuma forma institucional (política, artística ou cultural).

Nossas escolhas precisam ser em si mesmas - de maneira bastante dialética - a demonstração de que a única maneira de sustentar nossa ingenuidade romântica é amadurecendo de forma violenta e traumática, fazendo da necessidade uma Ética; do respeito uma Trégua; da palavra uma Arma; dos Amores e das Amizades, a tristeza Revolucionária do lembrete: não existe compatibilidade entre duas Causas!

E para Marie e todos os amigos queridos a quem muitas vezes, e infelizmente, tenho a obrigação de ofender, muito carinhosamente devo dizer que é esta tristeza do lembrete que pode esclarecer algo sobre nosso afeto: a busca incessante pelo encontro ideal, por vezes é ofuscada pelo fato de que, quase sempre, já temos o que buscamos... precisamos de outra coisa!

7 comentários:

marie. disse...

Curioso o fato de como as palavras, quando escritas, ganham liberdade. Fiquei animada em ter despertado uma reação deste porte e - longe de mim - entender como ofensa. O que busco, sempre, são reações. Mas já adianto que minha mãe ficou "passada" com o mencionado "fracasso das gerações anteriores". Hahaha Beijo!

Cristiano disse...
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Cristiano disse...
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Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

É claro que quando falei das gerações passadas fui um pouco enfático demais e omiti, propositadamente, algumas das minhas opiniões a respeito...
Não acho que movimentos passados (e acho que a minha relação com meus pais prova isso) tenham sido uma grande perda de tempo ou um fracasso total e completo. O que quis dizer é que de certa forma, o fracasso deles é que azeitou o capitalismo global na sua forma multiculturalista-tolerante. Agora, é claro que as lutas passadas foram fundamentais para a história do século XX e da modernidade de forma geral... Tanto que minha proposta, nas entrelinhas (mas nem tanto) é justamente assumir o fracasso dos movimentos do passado como um fracasso nosso... por isso o peso da tarefa revolucionária ser maior para a nossa geração. Vale um argumento bastante zizekiano aqui: devemos assumir a responsabilidade por TODOS os erros e fracassos da esquerda, inclusive o do stalinismo e teorizar sobre eles melhor do que o fazem os ativistas da direita ou do centro liberal!

Cristiano disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Fernando Marcellino disse...

Emocionante esse post. Interessantíssimo frizar o que podemos chamar de "foraclusão da Causa". Concorda comigo que é difícil não ser mais um pós-moderno hoje?

Anônimo disse...

O texto não é para leigos. Eu não entendi uma boa parte dele.