quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ninguém entendeu um Mod. Parte II: Elogio à geração 90.

Conversava eu com uma amiga a respeito da importância do Oasis para a minha geração. A crítica que ouvi a respeito da banda foi a de "uma releitura pobre dos Beatles". E a mídia parece de fato enfocar a relação, que realmente existe, entre os Fab Four e o grupo de Manchester, porém oscilando entre duas argumentações quase unânimes: ou o Oasis é acusado de plágio descarado das composições de Lennon e McCartney, ou de uma releitura pobre destas, que não conseguiria criar nada de novo.

Acredito que as composições dos irmãos Gallagher, bem como a postura que adotam publicamente, são matérias bastante férteis para reflexões filosóficas se as virmos - numa postura abertamente žižekiana - como artefatos culturais e "máquinas de pensar". Ficaremos, por hora, com um norte teórico para o presente ensaio: o da analogia existente entre o processo de transformação da forma crítica do modernismo em relação à ideologia e a maneira como a produção musical das bandas de rock nos anos noventa transformaram a forma mesma de criatividade e inovação.

Chegamos a comentar um pensamento de Žižek a respeito de como uma análise mais global das obras de Hitchkock, no cinema, pode dar conta de explicar o processo pelo qual o fundamento ideológico da modernidade se "desintegra" dando lugar ao presente universo "pós-ideológico". Em suma tal pensamento consiste em mostrar como os filmes hitchkockianos ao longo das décadas de 1950 a 1960 vão, progressivamente, abandonando a figura central do pai, a figura masculina, em nome da figura materna.

Vladimir Safatle em seu Cinismo e Falência da Crítica demonstra que o início do capitalismo está marcado por uma ética de acumulação (tal como descrita por Weber) que se pautava numa repressão às pulsões individuais para garantir os modos de sociabilização necessários ao funcionamento da dinâmica econômica capitalista. Um ascetismo assentado numa fixidez de identidades como vocação para funções específicas. Daí a explicação eminentemente freudiana - de O Mal-estar da Civilização - da repressão aos desejos como forma de coesão social, de internalização das normas de sociabilização.

Com o advento da sociedade de consumo, a partir de transformações sócio-econômicas específicas que substituem os ideais de ascetismo, vocação e repressão pelo ideal do gozo, instaura-se uma outra ética. A ética do direito ao gozo, que por sua vez pressupõe a flexibilidade de identidades e de valores, em busca do prazer - tal qual podemos ler logo no início de O Mal-estar da Pós-Modernidade de Zygmunt Bauman - e a substituição da acumulação ascéptica pelo crédito (como figura que permite a satisfação imediata de desejos).

É isso o que Lacan tem em mente quando fala em uma forma diferente de supereu na sociedade de consumo: um supereu não mais fundado na repressão às pulsões e na culpa, mas no imperativo do gozo. Esse supereu tem como fundamento o declínio da figura paterna (e não da função paterna, como bem ressalta Safatle) e o advento de um supereu materno, que determina que se goze. O grande problema é que, se o gozo é "norma universal" - é preciso gozar com tudo e sempre! - nenhum objeto em particular permite a satisfação plena. Levando-nos à necessidade de destruição de todos os objetos específicos de gozo, para que este possa ser encontrado sempre em outros lugares e em outros objetos - a descartabilidade de todo objeto de gozo, a "administração da insatisfação".

Esse supereu materno tem, por sua vez, como fundamento a função paterna do pai primevo, na "mitologia freudiana". Aquele que pode gozar plenamente com tudo e cuja imagem é a de uma obscenidade perigosa e destrutiva (da natureza, dos laços sociais, DO AMOR, etc.).

O importante é ressaltar como a ideologia se porta diante dessa necessidade da descartabilidade de todos os objetos e suas imagens correspondentes. O exemplo dado por Safatle é o das campanhas publicitárias da Calvin Klein, utilizando-se ora de corpos perfeitos, ora de corpos anoréxicos, ora de figuras heterossexuais, ora de figuras homossexuais ou até incestuosas. Numa pesquisa realizada com consumidores da marca, como aponta Safatle, percebeu-se que eles se mantém sempre em uma distância específica em relação a essas imagens. Ou seja, a própria marca aposta na auto-ironização das imagens que "vende" para garantir o seu nicho mercadológico. Isto é indicativo de uma ideologia que se baseia na auto-ironização de suas imagens, valores e normas como critério mesmo de legitimidade. Uma certa "contradição posta que é, ao mesmo tempo, contradição resolvida" (Safatle p. 84).

Pois bem, como é a tese central do referido livro, a pergunta que fica é: qual seria a estratégia da crítica diante duma ideologia do cinismo, que ri de si própria, e que mantém neste mesmo riso sua operacionalidade? Parece óbvio que a crítica não pode mais, como fazia ao longo da modernidade, pautar-se pela ironização, humorização ou profanação das normas e valores pois estas pressuporiam um Outro Social fixo, que trabalhasse na lógica da repressão, e não do gozo. Neste sentido é que Safatle aponta suas críticas a Deleuze, Agamben e Butler.

Em relação à crítica, a análise é feita com base nos pensamentos de dois músicos e críticos musicais: Schoenberg e Stravinsky. Pois, para Schoenberg a crítica deveria ultrapassar as normas naturalizadas da música em direção a uma expressão interior do artista que não precisasse submeter-se à hierarquia de notas e armonias específicas da música tonal. Este pensamento levou Schoenberg à dodecafonia que, posteriormente fora criticada nestes mesmos termos, como insuficiente para por em prática o que a idéia de "série" pretendia.

Stravinsky (e outros músicos contemporâneos como Adés e Adams) pôs em prática uma nova forma de crítica: bricolage de estilos musicais - românticos, dodecafônicos, etc. - mas não com a pretensão de "legitimidade", de "naturalidade" destes estilos, senão que esta bricolage já pressupunha estilos musicais previamente criticados. Nada de inovador. O efeito "inovador" da obra é global e realizado justamente pela ironização de cada um destes estilos, utilizados como artigos de "liquidação", que trazem em si sua própria negação, distanciados de suas "funções naturais". Uma música baseada na parodização de todos os estilos.

Ao final do livro, Safatle expõe como esta forma crítica encontra também suas limitações, uma vez que a ironização de estilos e este tal "distanciamento de suas funções naturais" são celebrados pela ideologia dos tempos "pós-ideológicos". De qualquer forma, voltemos ao Rock para curto-circuitizar a alta teoria musical.

Longe de querer estabelecer quaisquer relações teórico-musicais entre música tonal, ou dodecafonia, e Rock'n Roll britânico, fato é que no ponto específico da postura crítica adotada por aqueles maestros, existe uma certa concidência com a relação entre o que foi o movimento musical do MOD ao Flower-Power, nas décadas de 60 e 70 e a criatividade musical das bandas de Rock da geração 90.

Bandas como Beatles, The Who, Kinks e Rolling Stones trabalharam com uma criatividade que contestava os próprios limites impostos pela formas originais do Rock'n Roll (e talvez até mesmo do Blues). Música concreta, ruídos de caixas, bombas no palco, instrumentos marciais, gemidos e muitos outros elementos foram utilizados neste período de transvaloração da forma musical.

A grande questão é: é possível contemplar tais inovações, hoje, sem distanciá-las de suas "funções naturais"? Žižek escreve, a respeito dos filmes-noir contemporâneos, que eles não são propriamente filmes-noir. Como em The good german, a história seria uma simples história sem graça, como tantas outras, não fosse pelo fato de o filme produzir no espectador um efeito específico: eu (espectador) me coloco na posição de alguém que viveu na década de 40 e que acredita estar assistindo realmente a um filme-noir. Em suma eu creio que creio tratar-se de um filme da década de 40.

O que acontece quando ouvimos as músicas transgressoras de Beatles, The Who, Rolling Stones , Yardbirds etc. não é a mesma coisa? Eu creio que creio tratar-se de uma inovação autêntica do Rock sessentista, mas para isso eu preciso me colocar na posição de alguém que viveu o momento genuinamente inovador em que estas transgressões cumpriam de fato suas "funções naturais".

Neste sentido, não é que Oasis seja uma releitura pobre dos Beatles, mas os Beatles em si é que já estão empobrecidos. Só posso contemplar a confusão orquestral de A Day in The Life ou as guitarras fantasmáticas de Dazed and Confused (Yardbirds/Led Zeppelin) se fizer a ressalva de que "para a época aquilo foi inovador".

Aqui existe uma analogia entre a bricolage de Stravinsky na utilização de estilos musicais já previamente criticados e a produção musical de bandas como Oasis, Ocean Colour Scene, Cornershop, Blur e outras: todas estas bandas realizam uma mesma bricolage de todos os estilos da história do Rock já previamente distanciados de seus contextos naturais.

Sintomático disto é o fato de Zak Starkey (filho de Ringo Starr) ser o baterista do Oasis em "Don't Believe the Trueth" e a resposta de Noel Gallagher quando acusado de plágio por Marc Bolan (T-Rex): "quando quero plagiar alguém, vou direto a Lennon&McCartney".

Por isso é que a famosa e polêmica afirmação do Oasis de que eles seriam maiores do que os Beatles deve ser lida estritamente sob a ótica desta transformação: as formas de criatividade e inovação das duas bandas são radicalmente diferentes e irreconciliáveis. Não há mais forma fixa a transgredir, mas apenas formas distanciadas e cínicas, postas em contradição consigo mesmas, abrindo assim espaço para uma nova forma de produção musical e artística. Se os Beatles são a maior banda de Rock é porque seus fãs crêem que crêem neste lugar ideal. E se queremos sair do impasse causado pela "falência da crítica" é necessário enfrentar os ídolos do passado - naquilo em que esta afirmação se conjuga com a necessidade de "desespero conceitual" apontada por Safatle.

6 comentários:

Fernando Marcellino disse...

Caro, gostei muito desse texto. Ao mesmo tempo explicativo e "insinuativo" filosóficamente. Me parece um estilo que não havia antes no seu blog. Interessante essa diferença em relação a parte 1 do texto. Estética a parte, os dois pontos principais que você colocou (as mudanças do modernismo ao pós-modernismo e as possibilidades de crítica diante dessas mudanças de cunho estrutural) talvez sejam as duas formas com que qualquer artefato cultural HOJE deve ser problematizado. Hoje dizendo da produção de hoje E também da produção cultural que herdamos junto com todo seu universo de significação. Outra coisa: como sabes minha visão, concordo plenamente na NECESSIDADE HOJE de se colocar em pauta toda a "tradição nostálgica" da geração passada. Esse projeto zizekiano, com absoluta certeza, passa pela análise de um MOD: por isso, Elogio a ninguém entendeu um Mod.

Felipe disse...

Se eu partir de uma concepção de tradição literária, tal como posta por T.S. Eliot (Tradition and the Individual Talent), Oasis não é uma releitura pobre de Beatles, mas é um enriquecimento de Beatles. Isso mesmo: Oasis influencia Beatles. A linearidade temporal não é algo concreta para quem analisa o passado, já que quem o faz tem-no numa totalidade unificada. Em sendo assim, quem teve contato com o britpop ouvirá Beatles, Rolling Stones, Yardbirds, The Animals, etc., já com essa perspectiva, esse vigor-de-ter-sido. Há, na realidade, uma interdependência mútua. É por isso que James Joyce também influencia Shakespeare e Homero, tanto quanto estes o fazem com o irlandês. "Ulisses" nos provê com uma nova forma de ler Hamlet e a Odisseia, e, pelo lugar canônico que alcançou, jamais diriam ser uma releitura empobrecida das obras mais antigas. Obviamente que não, mas quem partilha da opinião que Oasis empobrece Beatles teria que admitir o mesmo de James Joyce: rigorosamente, nessa concepção, não haveria nada de novo no irlandês. Nem em "Wasteland" do Eliot, um poema que tem o ambicioso escopo de reunir toda a tradição literária numa única obra, repetindo as diferentes fases da literatura ocidental num novo contexto e, só por isso, sendo algo novo. Como não se surpreender com a repetição de frases musicais dos Beatles pelo OCS? O fato de ser em uma nova época com um contexto diferenciado já faz da canção algo novo. É inútil valorar (embora não seja inútil analisar) obras pelo que há de mais individual nelas, tal como a obsessão romântica. Elas todas se encaixam numa tradição, todas recebem da tradição informações que, consciente ou inconscientemente, comporão a nova obra, e todas entrarão nessa tradição modificando-a, pois a tradição é um todo unificado, e não temporalmente isolável de modo linear.

Felipe disse...

Andei pensando no assunto, e agora tenho dúvidas se o cinismo apontado por Safatle é fenômeno pós-moderno. Uma sociedade pautada pelo carpe diem, como a dos patrícios romanos, também era repleta de discursos irônicos, de ironia intertextual, tal como talvez se possa apontar em Oasis em relação a Beatles. Ovídio, por exemplo, imita a épica virgiliana e a ironiza: diz que um cupido lhe roubou um pé métrico e do hexâmetro épico, metro que na tradição clássica é inescapável para o poema épico, lhe ficou um dístico elegíaco, próprio para poemas de conteúdo mais lírico, que possui versos alternados hexamétricos e o pentamétricos (onde um pé métrico se perdeu). Ovídio começa o seu texto citando as armas e os homens, como fez a Eneida de Virgílio, mas não consegue ir além pela falta do pé métrico que lhe foi furtado, e então escreve uma obra chamada Amores - seria isso uma então cópia empobrecida de Virgílio (como Oasis 'é' de Beatles)? Claro que não. Umberto Eco problematiza o fato de que a metalinguagem na literatura, o double cody e a ironia intertextual sejam fenômenos pós-modernos: há varios exemplos nas literaturas clássica, medieval e moderna de uso dessas ferramentas. Se a crítica na sociedade reprimida ironizava e era cínica com a repressão, a da sociedade do gozo precisa ser repressiva? Não creio. Talvez precise mostrar a falsidade do discurso, a ilusão, a impossibilidade, a angústia do gozar a todo custo. Ironizar o gozo, sem apologia à repressão. Mas precisa se assumir como crítica, como o que dá voz a essa angústia. A obra de arte (vamos incluir irresponsavelmente o discurso publicitário nesta categoria, por ora) que ironiza a própria arte não é parte da crítica, embora a ironia lhe seja própria. É objeto de fala da crítica, não o sujeito. Em si mesma, é silenciosa; à crítica cabe o papel de lhe dar voz. Talvez não interesse procurar a intenção do artista, já que a obra de arte jamais possa se esgotar nisso. Intenções são mais relevantes para textos objetivos, discursivos, assertivos, não para a arte. Como diz Northrop Frye: "a poet's primary concern is to produce a work of art, and hence his intention can only be expressed by some kind of tautology". A intenção é o que se reificou em arte, a coisa. Claro, pelo que você colocou, parece que o que Safatle quer dizer é que a ironia é usada justamente para alimentar a ideologia do gozo infinito, não para desdizê-la. Mas a ironia de Ovídio também não queria desdizer a épica homérico-virgiliana. À arte irônica cabe nos deixar cônscios das nossas fantasias constitutivas, mas a crítica é um outro discurso, que as tem, dentre outros assuntos, como objeto. Será mesmo que a crítica precisa encontrar uma alternativa ao cinismo? Se há níveis diferentes de funções lingüísticas - o da arte e o da crítica - não há por que confundi-las, apesar das ferramentas semelhantes de que se utilizam.

Anônimo disse...

Indo por partes, ao invés de uma grande salada promíscua - como insistem em fazer pseudo-filósofos -, antes faço uso da separação conceitual dentre o seu texto. Primeiro, separemos - e nisso lhe convido a fazer junto comigo, já que não vejo um ser solitário apto a fazê-lo - a questão de reconhecimento de sofisticação musical de qualquer outra aferência. Hegel afirma que na busca do conhecimento devemos sempre ter em mente o Todo, e nunca as partes que a ele se integram. O que muitos homens esforçados, mas decadentes fazem, é vislumbrar em sua mera condição humana uma parte do Todo e tomá-la por Todo. Muitos sábios entraram por esse caminho tortuoso e dele nunca mais sairam. Se quero analisar a música em si, ou seja, o objeto isoladamente, e extrair dele suas verdadeiras características, devo isolá-lo de sua influência temporal. Sendo assim, Bach não deve ser encarado como um gênio inovador do polifonismo, e tão pouco Bartók como um transgressor dos valores estéticos musicas antes impostos por Guido Darezzo e os gregos. Devemos observar esses músicos, e consequentemente suas obras, de acordo com o grau de capacidade que elas possuam. Isso sempre levando em conta que estamos falando em música e, portanto, em arte. Bem como se sabe a arte é a atividade voltada para a produção de satisfação dos apreciadores. A defesa cega de uma obra artística que me apetece não pode ser feita em contraponto com uma averiguação independente de condicionamentos. Por isso tudo, meu caro amigo, vejo que ao comparar quaisquer artistas devemos ter duas coisas em mente; que não devemos nos ater as nossas preferências, e que devemos observar as obras em si. Em segunda questão, caso queira fazer um estudo sobre a influência gerada por certas obras, ou ainda, qual é o afã gerador de sua produção, sinta-se a vontade, mas não canso de citar que escuto Wagner pela capacidade emotiva que ele gera em mim ao invés de contemplá-lo com os olhos de um aristocrata alemão do século XIX.
Em todo caso, meus parabéns pelo texto...Salvo que mais uma vez discordamos. Fico realmente feliz por isso.
Um grande abraço de seu amigo,

Lucas Lazzaretti

Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

Mas então, aceitando o convite para separar conceitualmente as idéias, primeiro: será que quando Hegel fala em ter em mente o TODO ele não está se referindo, precisamente ao todo que é em si separado de si mesmo? Ou seja, o Universal concreto é o próprio espaço da luta. No sentido de que para Hegel não existe exatamente separação entre dois termos como "opostos" senão que os opostos se geram precisamente pq o Todo em sua inconscistência gera "seu oposto" como reação à tentativa de equilíbrio dessa desarmonia que é sempre-já estabelecida pelo próprio Todo. O Todo já é assombrado pelo fantasma da sua negatividade que se gera o suplemento de um termo outro que manifesta em si o próprio espaço da luta. Para usar o Exemplo (com E maiúsculo mesmo) de Zizek: A classe operária já é em-si a luta (contra a classe burguesa). E também o Feminino já é em si a luta contra o Universal Masculino (e não um termo exatamente positivo).
Assim, alguns homens tem mesmo o direito de se ver como aquela parte do todo que é o próprio Todo, na versão São-Paulina (ou pauliana para deixar o nosso amigo palmeirense aí em cima mais tranquilo...) do próprio amor cristão, naquilo que o amor cristão tem de mais revolucionário! Sem mais delongas por hora!

O fato é que sua afirmação "Se quero analisar a música em si, ou seja, o objeto isoladamente, e extrair dele suas verdadeiras características, devo isolá-lo de sua influência temporal" é o meu próprio argumento: é justamente porque isolamos a música de sua influência temporal que ela é ironizada. Se assim não o fosse, não precisaria do efeito concreto "autoconsciente" (para usar mais uma vez Hegel) de distanciamento temporal consistente na afirmação "para a época...". Ou seja, onde o efeito temporal se manifesta mais violentamente é justamente quando eu sou um homem do século XIX contemplando Wagner sem ter condições de isolar Wagner do seu contexto temporal, precisamente porque, esse contexto temporal é o meu próprio! E assim sendo, não tenho condições de me distanciar dele! Essa é a implicação precisamente dialética hegeliano-marxista que dá condições à negatividade do Espírito, da autoconsciência, e por fim da lacuna paralática do próprio Um que representa a Universalidade concreta. (Não é esse justamente o paradoxo da nossa falta de mapeamento cognitivo? [pergunta agora dirigida ao Fernando, uma vez que esse tem sido o norte das nossas conversas nos últimos seis meses]).
Por último quero confrontar as duas coisas que você diz ser importante em relação à análise musical. Devemos analisar as obras em si, não de acordo com nossa preferência: aí tem duas questões. Em primeiro lugar, não sei nem se eu, nem se o Fernando, nem se o Felipe (falo dos dois pq eles elogiaram bastante e até exageradamente meu texto!) preferimos Oasis! Eu sou conhecido por muitos amigos por ser Beatlemaníaco... Sou "Oasismaníaco" também, mas acho que a questão é que talvez não tenha comparação. O "Oasis é melhor" (como dizem os próprios irmãos Gallagher, que aliás, são BEATLEMANÍACOS declarados) justamente pq há uma lacuna irredutível entre os dois... Depois, será possível analisar a música em si? Como se houvesse uma substância musical inerente... Transcendental? A paralaxe aqui não é justamente que a substância "physica" é justamente a impossibilidade humana de acesso à substância, porque justamente a consciência humana sobre o objeto já está inscrita no próprio objeto? ( E neste sentido, talvez procuremos eternamente aquilo que já temos!)
Essa última afirmação já responde a sua última afirmação, no sentido de que vc houve Wagner pela emoção que ele lho causa. Bem... quero deixar claro que não disse que não há emoção nenhuma em mim quando ouço Bealtes, Stones, Yardbirds (ou, Wagner, Debussy, Beethoven, Guerra-Peixe etc.). O que digo é que essa emoção talvez seja mediada por alguma coisa... Que coisa? Se existe portanto nos objetos um vazio irredutível (e talvez insuportável) que é a sua própria essência (ou antes, a essência se retira daquilo que esse vazio, em todo o seu peso, representa para nós) o que é esse vazio? Minha resposta é (ou antes ela não é minha, é de Lacan): esse vazio é a própria causa de eu querer saber sobre a coisa. Em termos lacanianos: é o objeto pequeno a, o objeto-causa do desejo, que é insimbolizável e inominável justamente porque é a causa de todo o desejo puro, e toda o desejar outros objetos é, nada mais nada menos, do que a tentativa (fracassada) de restaurar essa perda original do objeto a perdido (e perdido justamente porque é inominável, insimbolizável). Tá... E daí?
A questão é: qual a função desse objeto? E a resposta, mais uma vez lacaniana, é que ele dá suporte à realidade, na medida em que TODA (ou antes, "não-toda", mas essa é outra questão) a realidade é estruturada por um vazio que é a essência das coisas no mundo, a função do objeto pequeno a é servir de suporte para a realidade. Dando um salto da psicanálise para a filosofia política: é esse vazio do desejo que também da suporte à ideologia. Assim, vc não tem como saber se vc gosta de Wagner pq ele lhe causa emoção, ou se a emoção que ele lhe causa é formada justamente por ser vc também um sujeito inserido na ideologia. E se a ideologia é o Cinismo e a ironização de tudo (inclusive dos estilos musicais)...

Enfim... UFA!!! De qualquer forma, caro Lucas, Respondi a partir dos meus pressupostos, para vc que, certamente, tem pressupostos diferentes... mas como te disse em particular: Jogamos pedra uns nos outros porque sabemos que caem frutos!!!!!! A única coisa que não gostei é que, pra um gaúcho, vc foi muito tímido nos elogios a mim!!!! TOLINHO!!!! hehehehehe

Aquele abraaaaço, guri!!! Visite mais e critique mais nossas publicações! (recomendo um blog teu também, com essa finalidade)

Moysés Neto disse...

Gostei muito, mas entendo que o Agamben resolveu a questão melhor com a idéia de "profanação do improfanável". Vou ver se escrevo um post para continuarmos o debate, usando Nirvana e Radiohead.