sábado, 31 de janeiro de 2009

Divulgação da Entrevista de Slavoj Žižek no programa Roda Viva!

02/02/2009 - Gravado às 22h10
SLAVOJ ŽIŽEK
Filósofo e Psicanalista


Professor da Universidade de Lubliana, na Eslovênia, Diretor Internacional do Instituto de Humanidades da Universidade de Londres, Slavoj Žižek é um dos principais teóricos contemporâneos. Navega pelos mais variados cenários intelectuais. Da teoria social para a crítica da cultura, da teoria do cinema para o marxismo, a psicanálise, a política. Nome presente no debate sobre a desintegração dos estados socialistas e sobre o papel da esquerda no mundo atual, Žižek também aborda os dilemas que a globalização e a crise financeira colocam às pessoas e que tanto economistas quanto psicanalistas tentam decifrar. Provocativo, polêmico, Slavoj Žižek constrói um olhar e um pensamento diferente que o destaca na crítica da cultura contemporânia e na análise dos desafios políticos do mundo.

Entrevistadores: Maria Rita Khel, psicanalista e escritora; Laura Greenhalgh, editora executiva dos cadernos Aliás e Cultura do jornal O Estado de S. Paulo; Emir Sader, sociólogo e Vladimir Safatle, professor do departamento de filosofia e do instituto de psicologia da Universidade de São Paulo.

Apresentação: Alexandre Machado

O Roda Viva é apresentado às segundas a partir das 22h10.
Você pode assist ir on-line acessando o site no horário do programa.
http://www.tvcultura.com.br/rodaviva

domingo, 25 de janeiro de 2009

Aplausos à quem, se não resta ninguém, se não presta ninguém?

Minha grande amiga e dissecadora de almas, Mariana Porto (nossa querida Marie) nos presenteou com uma crítica (in)direta sobre a produção intelectual de nossos estranhos tempos em seu blog Com açúcar, com afeto e o trabalho que alguns de nós, seus amigos, pretendemos fazer como destino de nossas vidas.

Aproveito a ocasião para passar um recado tão reconfortante quanto desconsertante para aqueles que pensam como ela e de quem gostamos muito, tanto que é imperativo ser violento e explícito nas respostas.

Nossa querida Marie, por cuja amizade tenho alto apreço critica aqueles que - e faço questão de vestir a carapuça - buscam da produção teórica seus meios de vida, fazendo-se expressar com citações e leituras rebuscadas que selecionam seu público de maneira, por vezes, egocêntrica, num jogo de vaidades típico da academia.

O problema é o que fazer diante deste (aparente) impasse da vida acadêmica? E aqui talvez vá o recado - menos acadêmico possível, prometo - que acredito compartilhar com todos aqueles amigos que também resolveram dispersar-se do rebanho pós-político dos nossos tempos de Gozo e expressão "livre" da individualidade.

Se todas as gerações passadas falharam ao arregaçar as mangas, a única conclusão que posso tirar disto é que a tarefa de transformar o mundo é mais imperativa do que nunca para nós, e cai sobre os ombros de nossa geração com muito maior peso. Nossas angústias, nossas crises, nossos choros são sempre e irremediavelmente um eterno descobrir de novos valores supremos que devemos estar dispostos a abdicar em nome de nossa Causa. Se sofremos por amor é porque o Amor se põe como valor comparável a Tarefa Revolucionária. Se brigamos com nossos pais, é porque queremos nossa Família livre de formas alienadas de Afeto. Se não planejamos grandes realizações individuais é porque no sucesso está sempre-já inscrito uma perda do Gozo prometido, como se o preço a pagar pela felicidade individual fosse a eterna silhueta desta felicidade, projetada mais e mais longe.

Problemas desta perspectiva utópica não estão no fato de não sabermos exatamente o que queremos. Mas em que campo de luta estamos nos rebatendo. O que queremos é claro: extinguir contradições inerentes ao capitalismo que tem em comum o fato de restringirem um expaço de comunhão, de compartilhamento e coexistência humanos e, neste sentido, somos ainda Comunistas. Pouco mais do que isto é necessário saber.

Os maiores problemas são, ao contrário, conhecer exatamente em que campo de luta estamos vagando. Não estamos nos dedicando a teoria porque somos tementes demais ao combate belicoso, mas porque este combate belicoso precisa ter o mapeamento claro deste terreno caótico que é a política e a cultura das últimas décadas. "Que ordem, afinal, existe, em meio a este caos?" é a pergunta que queremos responder! E a quem queremos aplaudir: não somos histéricos como nossos pais em 68. E é por isso que devemos não aplaudir. E sobretudo não aplaudir a eles!

Sua luta construiu nosso tempo de caos. Ajudou a criar o horizonte ideológico sobre o qual nossa geração teve que duelar desde a década de noventa, reduzidos a mera massa apática incapaz de agir fora dos joysticks e de criar fora das telas dos computadores. Azeitou uma máquina político-econômica em nome da qual nos dizem arrogantemente que somos incapazes de tomarmos as rédeas do Evento. É porque não podemos aplaudir ninguém, que não podemos aplaudir a Eles e, conseqüentemente, aos "ganhos indiscutíveis" que o capitalismo global e o liberalismo tolerante trouxeram para nossa "geração piá-de-prédio (que não sabe o que é dificuldade)"! Nossa "liberdade" hoje, só é sensivelmente possível porque faltam palavras que expressem nossa completa falta de liberdade!

Nossas citações são tijolos com os quais se constróem o edifício sobre o qual precisamos assentar nossos sonhos, estes mesmos sonhos que o Outro nos diz que flutuam a deriva no campo político, sem possibilidades de gerar nada de concreto! Pois bem, é desse concreto que queremos ver constirpada até a morte a proto-intelectualidade cínica que aplaude a arte como consumo, o mundo como inevitável, a vida e a insatisfação como administrativizáveis, o Impossível como adestrável... É esta morte que testemunhará que nossas reclamações não resultaram em um nada lacônico... muito menos Omisso!

Nossos tijolos devem demonstrar cruamente que o edifício teórico que assentam deve, sobretudo, provar que de tão humildes e tão insignificantes as nossas verdades, elas são as únicas que podem ser diretamente Universalizadas sem a mediação "caiada" de nenhuma forma institucional (política, artística ou cultural).

Nossas escolhas precisam ser em si mesmas - de maneira bastante dialética - a demonstração de que a única maneira de sustentar nossa ingenuidade romântica é amadurecendo de forma violenta e traumática, fazendo da necessidade uma Ética; do respeito uma Trégua; da palavra uma Arma; dos Amores e das Amizades, a tristeza Revolucionária do lembrete: não existe compatibilidade entre duas Causas!

E para Marie e todos os amigos queridos a quem muitas vezes, e infelizmente, tenho a obrigação de ofender, muito carinhosamente devo dizer que é esta tristeza do lembrete que pode esclarecer algo sobre nosso afeto: a busca incessante pelo encontro ideal, por vezes é ofuscada pelo fato de que, quase sempre, já temos o que buscamos... precisamos de outra coisa!

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Ninguém entendeu um Mod. Parte II: Elogio à geração 90.

Conversava eu com uma amiga a respeito da importância do Oasis para a minha geração. A crítica que ouvi a respeito da banda foi a de "uma releitura pobre dos Beatles". E a mídia parece de fato enfocar a relação, que realmente existe, entre os Fab Four e o grupo de Manchester, porém oscilando entre duas argumentações quase unânimes: ou o Oasis é acusado de plágio descarado das composições de Lennon e McCartney, ou de uma releitura pobre destas, que não conseguiria criar nada de novo.

Acredito que as composições dos irmãos Gallagher, bem como a postura que adotam publicamente, são matérias bastante férteis para reflexões filosóficas se as virmos - numa postura abertamente žižekiana - como artefatos culturais e "máquinas de pensar". Ficaremos, por hora, com um norte teórico para o presente ensaio: o da analogia existente entre o processo de transformação da forma crítica do modernismo em relação à ideologia e a maneira como a produção musical das bandas de rock nos anos noventa transformaram a forma mesma de criatividade e inovação.

Chegamos a comentar um pensamento de Žižek a respeito de como uma análise mais global das obras de Hitchkock, no cinema, pode dar conta de explicar o processo pelo qual o fundamento ideológico da modernidade se "desintegra" dando lugar ao presente universo "pós-ideológico". Em suma tal pensamento consiste em mostrar como os filmes hitchkockianos ao longo das décadas de 1950 a 1960 vão, progressivamente, abandonando a figura central do pai, a figura masculina, em nome da figura materna.

Vladimir Safatle em seu Cinismo e Falência da Crítica demonstra que o início do capitalismo está marcado por uma ética de acumulação (tal como descrita por Weber) que se pautava numa repressão às pulsões individuais para garantir os modos de sociabilização necessários ao funcionamento da dinâmica econômica capitalista. Um ascetismo assentado numa fixidez de identidades como vocação para funções específicas. Daí a explicação eminentemente freudiana - de O Mal-estar da Civilização - da repressão aos desejos como forma de coesão social, de internalização das normas de sociabilização.

Com o advento da sociedade de consumo, a partir de transformações sócio-econômicas específicas que substituem os ideais de ascetismo, vocação e repressão pelo ideal do gozo, instaura-se uma outra ética. A ética do direito ao gozo, que por sua vez pressupõe a flexibilidade de identidades e de valores, em busca do prazer - tal qual podemos ler logo no início de O Mal-estar da Pós-Modernidade de Zygmunt Bauman - e a substituição da acumulação ascéptica pelo crédito (como figura que permite a satisfação imediata de desejos).

É isso o que Lacan tem em mente quando fala em uma forma diferente de supereu na sociedade de consumo: um supereu não mais fundado na repressão às pulsões e na culpa, mas no imperativo do gozo. Esse supereu tem como fundamento o declínio da figura paterna (e não da função paterna, como bem ressalta Safatle) e o advento de um supereu materno, que determina que se goze. O grande problema é que, se o gozo é "norma universal" - é preciso gozar com tudo e sempre! - nenhum objeto em particular permite a satisfação plena. Levando-nos à necessidade de destruição de todos os objetos específicos de gozo, para que este possa ser encontrado sempre em outros lugares e em outros objetos - a descartabilidade de todo objeto de gozo, a "administração da insatisfação".

Esse supereu materno tem, por sua vez, como fundamento a função paterna do pai primevo, na "mitologia freudiana". Aquele que pode gozar plenamente com tudo e cuja imagem é a de uma obscenidade perigosa e destrutiva (da natureza, dos laços sociais, DO AMOR, etc.).

O importante é ressaltar como a ideologia se porta diante dessa necessidade da descartabilidade de todos os objetos e suas imagens correspondentes. O exemplo dado por Safatle é o das campanhas publicitárias da Calvin Klein, utilizando-se ora de corpos perfeitos, ora de corpos anoréxicos, ora de figuras heterossexuais, ora de figuras homossexuais ou até incestuosas. Numa pesquisa realizada com consumidores da marca, como aponta Safatle, percebeu-se que eles se mantém sempre em uma distância específica em relação a essas imagens. Ou seja, a própria marca aposta na auto-ironização das imagens que "vende" para garantir o seu nicho mercadológico. Isto é indicativo de uma ideologia que se baseia na auto-ironização de suas imagens, valores e normas como critério mesmo de legitimidade. Uma certa "contradição posta que é, ao mesmo tempo, contradição resolvida" (Safatle p. 84).

Pois bem, como é a tese central do referido livro, a pergunta que fica é: qual seria a estratégia da crítica diante duma ideologia do cinismo, que ri de si própria, e que mantém neste mesmo riso sua operacionalidade? Parece óbvio que a crítica não pode mais, como fazia ao longo da modernidade, pautar-se pela ironização, humorização ou profanação das normas e valores pois estas pressuporiam um Outro Social fixo, que trabalhasse na lógica da repressão, e não do gozo. Neste sentido é que Safatle aponta suas críticas a Deleuze, Agamben e Butler.

Em relação à crítica, a análise é feita com base nos pensamentos de dois músicos e críticos musicais: Schoenberg e Stravinsky. Pois, para Schoenberg a crítica deveria ultrapassar as normas naturalizadas da música em direção a uma expressão interior do artista que não precisasse submeter-se à hierarquia de notas e armonias específicas da música tonal. Este pensamento levou Schoenberg à dodecafonia que, posteriormente fora criticada nestes mesmos termos, como insuficiente para por em prática o que a idéia de "série" pretendia.

Stravinsky (e outros músicos contemporâneos como Adés e Adams) pôs em prática uma nova forma de crítica: bricolage de estilos musicais - românticos, dodecafônicos, etc. - mas não com a pretensão de "legitimidade", de "naturalidade" destes estilos, senão que esta bricolage já pressupunha estilos musicais previamente criticados. Nada de inovador. O efeito "inovador" da obra é global e realizado justamente pela ironização de cada um destes estilos, utilizados como artigos de "liquidação", que trazem em si sua própria negação, distanciados de suas "funções naturais". Uma música baseada na parodização de todos os estilos.

Ao final do livro, Safatle expõe como esta forma crítica encontra também suas limitações, uma vez que a ironização de estilos e este tal "distanciamento de suas funções naturais" são celebrados pela ideologia dos tempos "pós-ideológicos". De qualquer forma, voltemos ao Rock para curto-circuitizar a alta teoria musical.

Longe de querer estabelecer quaisquer relações teórico-musicais entre música tonal, ou dodecafonia, e Rock'n Roll britânico, fato é que no ponto específico da postura crítica adotada por aqueles maestros, existe uma certa concidência com a relação entre o que foi o movimento musical do MOD ao Flower-Power, nas décadas de 60 e 70 e a criatividade musical das bandas de Rock da geração 90.

Bandas como Beatles, The Who, Kinks e Rolling Stones trabalharam com uma criatividade que contestava os próprios limites impostos pela formas originais do Rock'n Roll (e talvez até mesmo do Blues). Música concreta, ruídos de caixas, bombas no palco, instrumentos marciais, gemidos e muitos outros elementos foram utilizados neste período de transvaloração da forma musical.

A grande questão é: é possível contemplar tais inovações, hoje, sem distanciá-las de suas "funções naturais"? Žižek escreve, a respeito dos filmes-noir contemporâneos, que eles não são propriamente filmes-noir. Como em The good german, a história seria uma simples história sem graça, como tantas outras, não fosse pelo fato de o filme produzir no espectador um efeito específico: eu (espectador) me coloco na posição de alguém que viveu na década de 40 e que acredita estar assistindo realmente a um filme-noir. Em suma eu creio que creio tratar-se de um filme da década de 40.

O que acontece quando ouvimos as músicas transgressoras de Beatles, The Who, Rolling Stones , Yardbirds etc. não é a mesma coisa? Eu creio que creio tratar-se de uma inovação autêntica do Rock sessentista, mas para isso eu preciso me colocar na posição de alguém que viveu o momento genuinamente inovador em que estas transgressões cumpriam de fato suas "funções naturais".

Neste sentido, não é que Oasis seja uma releitura pobre dos Beatles, mas os Beatles em si é que já estão empobrecidos. Só posso contemplar a confusão orquestral de A Day in The Life ou as guitarras fantasmáticas de Dazed and Confused (Yardbirds/Led Zeppelin) se fizer a ressalva de que "para a época aquilo foi inovador".

Aqui existe uma analogia entre a bricolage de Stravinsky na utilização de estilos musicais já previamente criticados e a produção musical de bandas como Oasis, Ocean Colour Scene, Cornershop, Blur e outras: todas estas bandas realizam uma mesma bricolage de todos os estilos da história do Rock já previamente distanciados de seus contextos naturais.

Sintomático disto é o fato de Zak Starkey (filho de Ringo Starr) ser o baterista do Oasis em "Don't Believe the Trueth" e a resposta de Noel Gallagher quando acusado de plágio por Marc Bolan (T-Rex): "quando quero plagiar alguém, vou direto a Lennon&McCartney".

Por isso é que a famosa e polêmica afirmação do Oasis de que eles seriam maiores do que os Beatles deve ser lida estritamente sob a ótica desta transformação: as formas de criatividade e inovação das duas bandas são radicalmente diferentes e irreconciliáveis. Não há mais forma fixa a transgredir, mas apenas formas distanciadas e cínicas, postas em contradição consigo mesmas, abrindo assim espaço para uma nova forma de produção musical e artística. Se os Beatles são a maior banda de Rock é porque seus fãs crêem que crêem neste lugar ideal. E se queremos sair do impasse causado pela "falência da crítica" é necessário enfrentar os ídolos do passado - naquilo em que esta afirmação se conjuga com a necessidade de "desespero conceitual" apontada por Safatle.