sábado, 2 de janeiro de 2010

Se Deus é brasileiro e o Papa é carioca, o Bom Samaritano é a UPP.

Chegamos a especular, na esteira da previsão de Slavoj Zizek, como em breve teríamos um modelo de "democracia" berlusconiano exportado para o mundo todo. A idéia desta "democracia berlusconiana" é basicamente a de uma ditadura fascista com linguagem e vestes democráticas, com aceitação popular legítima e constitucional etc. Um estado de exceção nosso do dia-a-dia... Uma ditadura que se instaura sem que nada mude peceptivelmente a nosso redor.

No caso do nosso Mussolini DeVito, o caminho para a brecha totalitária tem sido a política de imigração na Itália. Mas com poucos dias aqui no Rio de Janeiro, algo me cheirou muito berlusconiano por aqui.

A polícia carioca, às vésperas do Reveillon e dos eventos esportivos dos próximos anos (Copa do Mundo e Olimpíadas) ocupou todas as favelas DA ZONA SUL do Rio de Janeiro sob o nome de UPP sigla para o sarcástico nome de Unidade de Polícia Pacificadora... (humor negro, não?).

O primeiro morro a ser ocupado foi a favela do Santa Marta. Aqui em Copacabana, o morro do Pavão-Pavãozinho foi ocupado há algumas semanas e, ao que parece, cessaram todas as atividades de tráfico de drogas e os traficantes da favela foram desarmados. Saiu uma nota na Folha de São Paulo comentando inclusive como que alguns moradores da favela estavam alugando a laje de suas casas para turistas gringos assistirem aos fogos gozando da vista do alto do morro. (E esta "vantagem econômica" para os proprietários foi ligada diretamente ao bom-samaritanismo da polícia militar carioca).

Não é preciso dizer que a Unidade de Polícia Pacificadora faz plantão dia e noite armados até os dentes na boca de cada morro. Diariamente... já faz parte do cenário natural dos moradores do bairro. Não é preciso dizer também que a população como um todo festeja a ocupação. Tampouco é preciso dizer que pouco se houve a respeito dos moradores da comunidade sobre as aparentes melhoras engendradas pela invasão policial.

Hoje na Folha saiu uma notícia com o seguinte título: "Copacabana tem Réveillon sem chuva nem bala perdida". É claro que a notícia enalteceu descaradamente a atividade das UPP no bairro. A notícia comportava ainda algumas declarações de entrevistados que alegaram "Agora as pessoas andam mais calmas pela rua". O mais interessante, porém, foi notar que um dos entrevistados localizou a ocupação das UPP como realmente um marco histórico para o Rio chamando o período anterior da ocupação de "Era do tráfico" como se agora esta "era" estivesse já superada...

Por fim a notícia afirma: "[Antonio Chagas, o Sapão] solvatava rojões para alertar os bandidos sobre a chegada de policiais ao morro, já levou dez tiros e passou na prisão 20 de seus 32 anos. Agora, trabalha na comunidade em serviços gerais". Em serviços gerais?!

Confesso ter ficado bastante espantado com estas ocupações: em primeiro lugar, se a solução é realmente efetiva e o mar de rosas de que se fala, porque não teria sido realizada antes? Em segundo lugar, que tipo de mecanismo ideológico permite a visão de policiais armados até os dentes dia e noite nas ruas do bairro como se fossem parte natural do cenário?

Ao que parece a construção imaginária do Rio de Janeiro como a cidade sem lei, a violência como moeda de troca eleitoral que enclausura todos os moradores classe-média em casa e constrói grades em volta de (não menos do que) TODOS os prédios da Zona Sul, permitiu uma complacência do imaginário carioca em relação a esta ditadura totalitária do dia-a-dia. Soma-se a isso o fato de que em nome da ecologia (que Zizek já chegou a apontar como "o novo ópio para as massas") em alguns morros da Zona Norte do Rio já foi iniciado um processo de cerceamento das favelas com a construção de muros em torno de morros estratégicos.

A Nova Democracia Global, preconizada pelos pensadores mais críticos, especialmente Agamben, já está sendo instalada materialmente no Rio de Janeiro. E é claro, tanto o nome, quanto a imagem da UPP, a fazem parecer um serviço democrático e caridoso, um bom-samaritanismo à frente do Estado de Exceção global.


Um comentário:

Fernando Marcellino disse...

Talvez um dos grandes desafios seja relativizar a idéia de democracia e estado de exceção em dois polos incomunicáveis, uma espécie de antinomia kantiana. Como um está contido no outro sob as vestes da democracia em nível de retórica e ação parece ser o interessante do seu artigo.