segunda-feira, 11 de janeiro de 2010

Um "breve" resumo sobre "First as a Tragedy, Then as a Farce" de Slavoj Zizek (para elucidar futuras discussões).

Zizek, no ano passado (2009) escreveu seu último livro cujo título é uma referência à famosa frase de Marx na sua Crítica à Filosofia do Direito de hegel: "First as a Tragedy, Then as a Farce". (Primeiro como tragédia, depois como farsa), cujo principal objetivo é analisar os resultados da crise financeira de 2008 e cuja principal idéia é realizar um diagnóstico preciso da lógica (ideológica) do capitalismo contemporâneo e de que forma podemos repensar a hipótese comunista como superação da lógica pulsional do capitalismo.

O título se justifica pelo seguinte: após o período da utopia fukuyamista do "fim da história" (anos 80/90) em que o mundo teria pretensamente atingido a fórmula da coexistência sócio-política humana (capítalismo + democracia), o fim do fim da história caiu sobre o mundo. Mas duas vezes: primeiro como tragédia (11 de setembro, o episódio das torres gêmeas que demonstraram que "nem todo mundo" estava tão empolgado assim...) e depois como farsa (a crise financeira de 2008 que, conforme o próprio Zizek admite não foi uma surpresa, exceto pelo fato de que todo mundo aceitou rapidamente que ela foi uma surpresa!).

Como não seria de surpreender, em se tratando do Zizek, toda a análise está pautada em como a ideologia capitalista contemporânea (que se proclama pós-ideológica ou não-ideológica) incorporou muito da lógica emancipatória dos movimentos de maio de 68.

Devemos lembrar que os movimentos de Maio de 68 estão diretamente ligados a um período de crise do capitalismo que István Meszáros nomeou como "Crise Estrutural", ou seja, o capitalismo finalmente conquistando o último canto do mundo que ainda resistia a sua lógica de reprodução econômica (no caso, a Ásia) atingiu um limite que contraria sua própria lógica de expansão, (para onde se expandir). Os movimentos de 68, se bem não se podem reduzí-los à mera causalidade da crise, entretando estão muito ligados à esta condição contraditória do capitalismo que começou a dar sinais de seus impactos sociais mais ou menos nesta época. Mas ainda assim, na "singularidade" do movimento (para cunhar uma expressão de Badiou) este movimento foi verdadeiramente emancipatório. Porém se esgotou também e principalmente pela severa repressão ao movimento, mas não foi só isso.

Não havendo espaço para expansão material do capitalismo (nós ainda não tínhamos e não temos condições de expandir o capitalismo para a lua) o capitalismo encontrou uma nova ordem de reprodução desligada dos imperativos hierárquicos-institucionais: a lógica capitalista do lucro foi deslocada para um mercado financeiro global "bem" estruturado, os chefes das empresas que produziam materialmente tornaram-se assalariados, e toda a lógica produtiva passou a demandar "criatividade" e "flexibilidade" dos trabalhadores, bem como a organização expontânea destes em torno da produção principalmente, o que é mais irônico, com a colaboração dos chefes. Toda esta nova forma de capitalismo permaneceu muito confusa para os envolvidos nesta lógica até que Lyotard cunhou um nome que deu sentido a todo este movimento: "pós-modernidade". Aqui, temos o nascimento capitalista do "espírito de 68" que nada tem a ver com a lógica egualitária-emancipatória do "maio de 68", mas que se utilizou de algumas de suas demandas "éticas" e seu imaginário utópico do movimento para a reprodução do capitalismo (e para a reconstrução ideológica das Democracias ocidentais que passaram a se auto-proclamar pós-ideológicas... "neutras" em português bem claro!).

Uma das modificações mais sensíveis foi a lógica do consumo: o consumo não mais está ligado à "utilidade" das mercadorias, tampouco ao "status social" que elas trazem em termos de diferenciação de classes etc., mas a uma experiência, uma sensação que permite que se dê um significado à vida do consumidor. (Uma lógica imaginária utópica inscrita dentro do próprio consumo). Com isto, a reboco, veio toda uma série de preocupações éticas que também se inscreveram na lógica consumerista, como o "compre seu capuccino e salve uma criança na África" etc.

Mas a pergunta é: como pode uma ideologia se proclamar não-ideológica ou pós-ideológica? Zizek aponta como a estrutura do liberal pós-68 não é mais a do liberalismo clássico que se desconstrói através de uma análise sintomal, ou seja, através da percepção de inconsistências no discurso que põem em cheque a coerência e portanto a posição de "verdade" do discurso: mas a de um discurso "fetichista" que se agarra numa "negação fetichista" à la "eu sei muito bem, mas mesmo assim..."! o que também impôe uma outra atitude crítico ideológica.

Porém toda essa "preocupação ética" essa "flexibilidade" e esse discurso "pós-ideológico" não evitam uma realidade que cada vez mais tem se tornado mais evidente em termos econômicos: aquilo que Zizek chama de "clausura dos comuns": aquilo que há de "comum" para os homens e que têm sido cada vez mais privatizados, e portanto, tornado propriedade de alguns:

-os "comuns da cultura" (propriedade intelectual, músicas, vídeos, softwares, livros etc.)
-os "comuns da natureza externa" (meio ambiente como tal, poluído indiscriminadamente por aqueles que se acham donos do meio ambiente, ou então a patentiação de espécies que leva ao absurdo de índios sulamericanos terem que pagar royalties pela utilização de plantas que conhecem há milênios, por exemplo)
-os "comuns da natureza interna" (nossa herança biogenética)

O problema maior é que todos esses "comuns" são questões de sobrevivência humana. E se o capitalismo não conseguir lidar com este paradoxo, ele mesmo desaparece. É aí que vem o risco: será mesmo que, hoje, socialismo e capitalismo são mesmo realidades tão antagônicas? Será que a propriedade nas mãos do Estado (e o consequente deslocamento da contradição Capital-Trabalho para os lugares do Estado e da sociedade civil) não seria uma solução em vista para o Capital? É aí que os 3 comuns devem ser suplementados numa estrutura lacaniana de 3+1: o 1 que falta é justamente o problema da segregação e da construção de novos muros que, tal como os outros três problemas, está se tornando cada vez mais visível no desenvolvimento do capitalismo recente. Este problema não é um problema de sobrevivência humana, mas um problema de justiça. E este deslocamento ou essa máscara "socialista" do capital (anunciada com flores até mesmo pelo jornal conservador norte-americano Newsweek) continua desenvolvendo a lógica "80/20" do capitalismo (80% da renda pertence a 20% da população mundial; 80% das terras produtivas pertence a 20% da população; daqui a pouco também 80% dos empregos necessários pertencerão a 20% da população ativa).

O que é necessário não esquecer é emergência, nesta época, do Capitalismo Chinês, chamado, pela ideologia de Deng Xiaopin de socialismo de mercado. Mas também conhecida como "Capitalismo com valores Asiáticos". Uma forma de imbricação entre Estado e Capitalismo que prova como o vínculo entre capitalismo e democracia não é um vínculo natural. Mas e se, além do mera perspectiva "chocante" da ferida narcísica dos democratas honestos, este Capitalismo se provar o mais rentável? Afinal, não devemos nos esquecer que quando o "lucro" é produzido no interior de um mercado financeiro especulativo algo muda na própria idéia de "lucro". É que o lucro como exploração de mais-valia, vai se tornando cada vez mais uma espécia de aluguel, de renda: o lucro produzido artificialmente (ou seja, desviado dos imperativos de expansão do capitalismo, sem a possibilidade de expandir mercados geograficamente) como uma forma do capitalismo financeiro "liberal" negar a si mesmo, precisa de cada vez mais regulações estatais e legislativas para poder impor, pela força, a forma regulação da economia. Agora, a economia não pode mais ser deixada aos caprichos da "lei da oferta e da demanda", uma vez que a produção não é mais o terreno da "lucratividade". Quando o capitalismo começa a inserir na lógica de consumo coisas que antes seriam impensáveis (estilos de vida, experiências culturais, propriedade intelectual, etc.), a única forma de garantir mercado e lucro, é através de um sistema estatal cada vez mais controlador (repressivo!).

A crise financeira de 2008 foi o resultado final desta lógica capitalista que vêm se desdobrando desde a década de 70 e que não tem qualquer solução senão esse "socialismo capitalista" essa desfragmentação injusta da hierarquia capitalista que contnua a perpetuar a lógica da exclusão e do enclausuramento dos comuns.

Neste sentido, a saída verdadeiramente comunista é a saída da ética de uma singularidade Universal: em termos Kantianos, um sujeito participa do "uso público da rasão" paradoxalmente, não quando está em comunidade, mas precisamente quando se distancia e luta contra a razão comum, a razão da comunidade. Os excluídos não são esse ponto de singularidade univeral? Os sujeitos cuja forma de inclusão social é justamente a sua exclusão (os trabalhadores que "participam" do capitalismo precisamente enquanto são excluídos de qualquer participação e decisão política?)?

Pois bem, se até agora a verdadeira hegemonia do ocidente, como diz Zizek, tem sido sua autocrítica e seu sentimento de culpa em relação aos excluídos (notem que esta é também a lógica da "inclusão democrática" ocidental) a única saída para os excluídos, - uma vez que a racionalidade capitalista (essa sim inegavelmente universal, já que existe em todo o globo) transforma toda a idéia de uma comunidade étnica tradicional em uma comunidade desnaturalizada, fabricada - é a de ressignificar a própria tradição egualitária-emancipatória ocidental, radicalizá-la ainda mais do que o ocidente foi capaz de fazê-lo (como no caso histórico da revolução dos escravos negros do Haiti que, cantando em voz alta a Marseillaise enquanto lutavam contra os franceses traziam a mensagem "nós negros haitianos somos mais franceses do que vocês". Esse excesso singular que não se encaixa na ordem Unversal do capitalismo deve ser a pópria ordem universal: eles devem ter o direito de criar a moldura política que os definirá e que definirá a relação deles com os outros.

Então, em vez de Socialismo (apropriação "particular" do Estado) temos o Comunismo como singualridade Universal. Mas como ser o Excesso num sistema capitalista que, ele próprio, é um Excesso errático, ou seja, que "revoluciona" constantemente as condições de sua própria reprodução? A resposta de Zizek: devemos abandonar imediatamente a idéia de um futuro "redentor" de uma nova normalidade histórica que resolverá por si só todos os problemas da humanidade. Em uma "ordem que se revoluciona" a verdadeira revolução é a que rompe com a lógica de um revolucionamento que retorna para a ordem. Em vez de tomar o Estado, simplesmente, devemos fazer o Estado funcionar de forma não-estatal tendo como objetivo "nunca deixar a história agir por si própria", pois a história que age por si própria, como a crise de 2008 demonstrou, termina em catástrofe.

Um comentário:

luana disse...

gostei muito do teu texto!! está tudo claro e didático (mas não menos complexo!), leva um jeitão pra professor. rs e o final pode abrir espaço para uma outra reflexão, sobre a relação (dialética) entre os homens e a história. enfim, gostei bastante do blog! só confesso que o olhar rápido sobre o título "kelsen no divã" me causou arrepios. risos risos preciso me acostumar com meu passado jurídico. beijos!