As intervenções humanilitares do governo Obama na ilha, parecem ter reafirmado, como nos diz Peter Hallaward, as principais tendências da intervenção americana na recente história haitiana: prioridades militares e estratégicas; exclusão dos próprios líderes haitianos do espaço político de debate; e a desconsideração dos interesses da maior parte da população. E, ainda com Hallaward: a história do Haiti desde 1990 parece ser o progressivo esclarecimento da sua dicotomia básica: Democracia e Exército.
E se, em vez de esta dicotormia ser própria a história haitina, ela for imanente à própria Democracia? Ao contrário do que ouvimos mais comumente, o problema crucial não é que o humanitarismo democrata norte-americano é extremamente limitado, não é que ele tenha um limite exterior intransponível quando se tratam de políticas estratégicas de intervenção militar. Ao contrário, o humanitarismo democrata é tão forte que até o Exército e as ocupações militares no Iraque, Afeganistão, Haiti etc são humanitárias. Donde o presidente Obama, prêmio Nobel do Cinismo em 2010, inaugura agora um novo período da democracia global: o humanilitarismo.
Quanto ao Brasil podemos discutir sua participação em termos de Imperialismo ou Sub-imperialismo. Afinal: será mesmo que Imperialismo pressupõe pertencer ao grupo de países de primeiro mundo? Será que um sub-imperialismo dá conta de explicar os interesses reais do Brasil no Haiti uma vez que em certa medida conflitam com os interesses norte-americanos?
O que parece indiscutível, entretanto, é que, como nos afirmou Chris Floyd, nenhuma intervenção humanitária (ou humanilitar) no Haiti vai conseguir de fato reconstruir o país: se nem mesmo os EUA conseguiram reconstruir Nova Orleans, vítima de outra catástrofe “natural”, o que nos faz pensar que o Haiti, que está sob vigilância imperialista desde que se libertou da França, conseguirá?
Principalmente no período de crise estrutural que se abateu sob o capitalismo contemporâneo, a catástrofe do Haiti é uma bela oportunidade de “leiloar” a reconstrução do país que, obviamente, será realizada por outras empresas (e talvez pela corja de Andy Apaid?) interessadas em explorar a mão-de-obra barata da população haitiana faminta. E se o governo Lula finalmente azeitou o capitalismo brasileiro... Então porque não tentar tomar a frente deste processo?
Outro aspecto indiscutível: se, conforme vêm dizendo Zizek e Agamben, a Democracia está escancarando o vínculo umbilical que guarda com os regimes de Exceção e os Totalitarismos, é interessante mostrar como uma atitude repressiva pode aparecer como democrática interna e externamente. Afinal, não é interessante que aos olhos do mundo a imagem de tropas Norte-Americanas e Brasileiras, lado a lado na ocupação humanilitar haitiana, apareçam como uma ocupação mais “Democrática”? Não é mais os EUA fazendo o serviço sujo sozinho... Os pobres brasileiros também reprimem seus irmãos (também pobres) haitianos, numa forma obscena do jargão democrata “autodeterminação dos povos”: “Eles”, o terceiro mundo, os famintos, se “autodeterminam” na repressão um do outro, “nós” do primeiro mundo não precisamos nos sentir tão culpados. Além disso não é possível ignorar o ato-falho institucional do Coronel Bernardes, comandante no Haiti, ao dizer que a ocupação brasileira no Haiti é um bom laboratório para militares brasileiros conterem rebeliões em favelas cariocas.
Ironicamente, 200 anos depois da revolução haitiana, a mensagem libertária da marselhesa cantada em combate contra os franceses é obscenamente invertida: somos nós, brasileiros que cantamos The Star-Spangled Banner dizendo “somos mais americanos do que os americanos”... mas não contra os próprios Estados Unidos, e sim contra o povo haitiano!
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