sexta-feira, 26 de junho de 2009

Porque Democracia é Ditadura?

Em vista de algumas críticas construtivas que recebi em relação aos últimos posts, resolvi abrir um pouco mais a idéia de que Democracia é Ditadura. Peço inclusive que quem tiver alguma dúvida em relação aos meus textos, façam perguntas...

É claro que "Democracia é Ditadura" não significa que não há absolutamente nenhuma diferença entre o governo Lula, por exemplo, e o governo militar que os Gorilas e cães de guarda da reação implantaram no Brasil de 64 a 85. Sim, há diferenças.

O ponto do raciocínio hegeliano seria, antes, o seguinte: se o entendimento é poder de limitação e de fixação, dando independência e identidade a termos opostos e a razão, por outro lado, é a identidade da contradição, a identificação de que um termo é a verdade do outro, o que temos é uma forma de encarar o movimento, o desenvolvimento de um certo conceito.

Identidade e independência de termos opostos, neste sentido, significa que termos como Democracia de um lado, e Totalitarismo ou Ditadura de outro, são postos como coisas diferentes (e de fato o são, em princípio, sempre!) mas além de diferentes, Independentes entre si: Democracia, assim, poderia existir independentemente de totalitarismo e vice-versa, como termos opostos.

Que significa, então, dizer que Democracia é Ditadura se, como acabei de afirmar, são duas coisas diferentes sempre?

A primeira coisa a perceber é que, quando digo "A verdade da democracia é a ditadura", a palavra verdade tem de ser compreendida de forma um pouco diferente da noção mais comum do termo: não é possível opor Democracia e Ditadura como simples "mentira e verdade", ou seja, não é que, no fundo, todo regime democrático é uma máscara para uma conspiração obscura que tenta desenrolar a estrutura específica do Estado de forma ditatorial, por debaixo dos panos, sem que nós, cidadãos comuns, percebamos este processo.

A diferença é, isso sim, aquela entre pensar (relacionada à razão) e entender (relacionado obviamente ao Entendimento). Neste sentido é que podemos interpretar o polêmico artigo de Roland Corbisier, chamado Por que a direita não pensa?: como o próprio Corbisier afirma, não significa que todos os liberais e conservadores sejam simplesmente burros. Mas, se pensar é apreender a realidade no pensamento, e se, para Hegel, não é só o método que é dialético e, portanto, contraditório, mas também a realidade, o mundo natural e histórico, que são também e principalmente dialéticos e contraditórios, logo: pensar é apreender no pensamento a contradição inerente à realidade, entendida aqui como o objeto sobre o qual se debruça para conhecer.

Neste sentido temos duas formas de nos debruçar sobre a democracia: pelo Entendimento de forma que não conseguiremos entender o que, na Democracia, é sua contradição inerente; ou pela Razão quando conseguimos entender que a Democracia possui um termo oposto a ela e que, quando aparecem um de frente para o outro, os dois são pegos num movimento de auto-propulsão que possibilita o desenvolvimento da Democracia, de um lado (sua "sofisticaria" como diria Hegel, isto é, a complexificação de suas instituições, de sua idéia, de seu conceito) e da sua oposição, do outro, que também retornará, sempre, como uma espécie de "retorno do recalcado", que possibilitará (e esta será sua única função) o desenvolvimento do Conceito de Democracia.

Neste sentido, optar por Democracia ou por Ditadura é, necessariamente, uma opção falsa: estamos diante de dois termos que não são independentes, que necessitam um do outro para se desenvolver como conceito e, é claro, como realidade concreta.

No caso da USP: sim, é claro que a intervenção policial na USP não significa que há uma manipulação, por detrás da máscara democrática, e que, quiçá, os Militares estão no poder até hoje, sem que percebamos, escolhendo, movendo as cordinhas da nossa realidade política, definindo de antemão quem ganhará ou perderá as eleições etc etc. Seria paranóia demais.

Mas a Democracia se desenvolverá a partir deste excesso totalitário que surgiu no evento trágico da USP: qualquer que seja a solução dada, dentro dos limites do Entendimento Político Democrático (pensemos em alguma lei para punir policiais sem identificação ou uma outra lei/decreto etc que regule mais especificamente a entrada de policiais nas Universidades) darão um salto dentro dos limites do desenvolvimento democrático apenas para que, num outro momento, sabe-se lá quando ou onde, outro excesso totalitário reapareça, com a função de que a Democracia se desenvolva, ou seja, se movimente. Porque, afinal, dialética é movimento e movimento é contradição (estar e não-estar ao mesmo tempo; ser e não-ser ao mesmo tempo; etc).

Neste sentido, dizer Democracia é Ditadura é simplesmente capturar, pelo pensamento, a contradição aparentemente independente da democracia, seu Outro, para perceber como este Outro não é simplesmente algo que surge, simplesmente, do nada, de uma inconsistência específica da Democracia e que pode ser sanada por ela: a exceção é o que sustenta a idéia, no sentido de que seu aparecimento é funcional na medida em que é este confronto do Conceito com seu Excesso, seu Outro, que dispara o gatilho do movimento de auto-propulsão do conceito.Justificar

2 comentários:

Felipe disse...

Belo texto!

Essa seria a lógica das demandas impossíveis? Não instaurar a relação dialética como uma antítese filha da tese, mas o silêncio da democracia, onde nem o totalitarismo teria voz?

Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

Acho que sim! Até porque essas demandas impossíveis não conseguem confrontar-se com a Democracia, nem desenvolvendo-a (como faz o totalitarismo) nem colocando-a em xeque (superando a Democracia, num momento propriamente sintético).