segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Já é hora de pensar!

Toda sociedade é um aglomerado mais ou menos complexo de indivíduos que coordenam ações e trabalho para seu desenvolvimento na história. Essa coordenação tem de ser feita a partir de um acordo, ainda que frágil ou ainda que implícito, de objetivos. E, obviamente, se estamos falando de objetivos, falamos de algo que todos, mais ou menos de comum acordo, imaginam como possibilidade concreta de realização. A esta imaginação social dos objetivos possíveis a serem alcançados, chamamos ideologia.

Marx chegou a definir a ideologia como uma ilusão que mascara a realidade. Esta afirmativa tem sentido em relação a seu tempo histórico e não é de todo equivocada. Mas Zizek, por outro lado, a partir da psicanálise, define ideologia como uma "fantasia que estrutura a realidade". Mas o que isto quer dizer?

Existe um mecanismo em funcionamento em toda a estrutura social que determina, no campo político, aquilo que é possível e aquilo que é impossível, algo que está em funcionamento no nosso imaginário, naquilo que podemos vislumbrar como possibilidade de futuro, e que determina as ações do político. Hoje, no capitalismo tardio, não necessitamos mais acreditar fielmente na democracia, mas a democracia funciona muito melhor a partir do momento em que não necessitamos afirmar nossa crença democrática explicitamente.

Por democracia, aqui, quero dizer a pura forma do Estado Democrático de Direito, ou seja, uma organização estatal pensada pela Razão histórica burguesa baseada na divisão dos poderes, na democracia representativa/eleitoral etc. e que já não guarda nenhuma semelhança com a democracia dos gregos antigos, por exemplo, e, é claro, tampouco guarda qualquer relação com uma idéia de democracia propriamente revolucionária, aquela que Vladimir Safatle define como uma Democracia verdadeiramente popular e que só guarda sentido quando podemos violar a lei e o estado em nome de algum ideal de justiça maior (que eu poderia acrescentar, com a devida licença, justiça Revolucionária).

É importante frisar que hoje o discurso de Churchil, eminentemente cínico em relação à democracia, não é uma mera contingência, não é algo que "escapou sem querer" do discurso democrático ideológico: afirmar cinicamente que "a democracia não funciona mas é o único regime possível" faz parte do próprio funcionamento da democracia hoje! A democracia funciona muito bem enquanto ninguém acredita explicitamente nela, mas, nessa mesma descrença, todos afirmam a impossibilidade de ultrapassá-la historicamente, de imaginar uma outra forma de organização do político que possa deixar para trás, como uma dentre muitas páginas da história do homem, o capitalismo!

Dessa forma, os indivíduos, hoje, agem de forma a aceitar implicitamente os limites históricos da democracia. E esta impossibilidade de pensar algo além da democracia formal (burguesa) é precisamente o que nos impede de ultrapassar a lógica do capitalismo que, se bem teve seu breve momento de florescimento (com o estado de bem-estar social que permitiu uma leve melhora qualitativa na vida dos trabalhadores, principalmente ou sobretudo na Europa) sempre funcionou na base da exploração do trabalho e, portanto, se a vida dos trabalhadores chegou a melhorar em algum momento, esta melhora necessariamente representou um enriquecimento muito mais significativo daqueles que não trabalham: os capitalistas industriais ou financeiros, pouco importa.

Hoje vivemos uma crise do capitalismo que terá necessariamente duas consequencias: em primeiro lugar a impossibilidade de qualquer melhora na vida dos trabalhadores, a partir de agora as condições do trabalho só tendem a piorar e o índice de desemprego demonstra isto; em segundo lugar o discurso democrático será paulatinamente substituído por um discurso totalitário light, com regulações estatais no âmbito do Estado Democrático de Direito para a exclusão fascista de imigrantes e marginalizados sociais (é esta tendência que a figura de Berlusconi representa).

Como então encarar as mudanças profundas que vemos acontecendo no mundo hoje em relação à possibilidade de legitimação da democracia? O que estamos vendo é a fragmentação, a ruptura do discurso democrático em Honduras, Afeganistão, Colombia e nos próprios Estados Unidos, sem falar na recalcitrante política petista que, agora, representa mais um atraso do que um terreno seguro para a emancipação do povo brasileiro e latino-americano.

Este é o momento de repensarmos a possibilidade de tomarmos as rédeas da história novamente! E isto se dará quando conseguirmos dominar a força que nos impede de ir além da democracia e do capitalismo, para pensarmos uma sociedade que tome a máxima de Marx: "a verdadeira riqueza do homem é o tempo livre!". Tudo bem, reconhecemos o avanço histórico que representou o capitalismo em relação ao mundo medieval e antigo, mas agora, no momento em que temos a possibilidade de usar a energia nuclear para abastecer o mundo com energia por mais 100 anos, enquanto esta mesma energia é, em vez disso, disperdiçada com bombas que podem destruir o planeta por 6 vezes; Enquanto vemos as jornadas de trabalho aumentarem e a paranóia da produção just-in-time se expandir ao mesmo tempo em que o desemprego aumenta (não seria melhor reduzir as horas de trabalho e empregar a todos?); enquanto vemos a possibilidade de uma catástrofe ecológica tendo plenas condições tecnológicas de reduzir o impacto da exploração predatória da natureza por parte do homem... enquanto tudo isto ocorre a maior prova que temos é que o capitalismo é um empecilho para o desenvolvimento da tecnologia, e não sua causa!

A oportunidade histórica é única: com esta crise do capital e do discurso democrático é fundamental começarmos a nos organizar em plano global para pensarmos estratégias de vitórias socialistas em todos os cantos do mundo. Não é possível que todos nós aceitemos a possibilidade de uma destruição do mundo pela dinâmica exploratória da natureza, mas não aceitemos a possibilidade (muito mais modesta, aliás) de destruição da dinâmica bestial (para citar Che) do capitalismo de do imperialismo ianque. A história é nossa, mas as vezes ela aparece como algo autônomo, estranho, independente... por isso, perder uma oportunidade pode representar mais 100 ou 200 anos de trabalho intenso, desemprego intenso, genocídios em massa, políticas fascistas e guerras nucleares.

É hora de repetir a lição de Vandré, o Lenin da MPB: "os amores na mente, as flores no chão, a certeza na frente e a História na mão!"

2 comentários:

Fernando Marcellino disse...

Exatamente por isso que a "Multidão" não é um agente histórico hoje e sim, muito mais, uma idéia abstrata sem concretude alguma. Volta de um modelo socialista?

Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

Mas acho que o problema é justamente encontrar uma forma pela qual a multidão possa agir historicamente, possa abrir a história. Acho que nesse sentido não há concretude.
Bem nesse ponto, acho que a minha concicção é socialista sim, sem dúvida. Mas a questão é que não sei se temos uma "volta" a um modelo socialista. A questão é discutir em primeiro lugar se é possível pensar o socialismo como algo que desapareceu e agora "retorna". Penso que não. As experiências socialistas reais fracassaram, sem dúvida, mas isto só significa que o socialismo historicamente não conseguiu edificar-se numa certa circunstância histórica. Neste sentido não se trata de um retorno, mas sim de porque fracassou e como o próprio socialismo pode se atualizar a partir deste fracasso, assumindo inteira responsabilidade por isto.