domingo, 6 de setembro de 2009

Viva o presente! (Porque o futuro assusta e a liberdade dá trabalho!): 4 focos de reflexão sobre a reconfiguração geopolítica do mundo em crise.

Já que a crise estrutural se revela um fenômeno único na história do mundo já que agora o capitalismo encontra (mas insiste em não reconhecer) seus limites materiais de reprodução, pensemos nos últimos acontecimentos geopolíticos e fiquemos bem atentos quanto aos desdobramentos desta crise para os próximos anos. Podemos arriscar alguns focos de análise no mínimo férteis para o desenrolar desta perspectiva.

1 - Uma ditadura militar se instaura em Honduras depois da guerra-fria. Os paladinos da democracia, os EUA, estão absolutamente indiferentes (para dizer o mínimo) a este regime golpista ultra-conservador. Vale lembrar que Zelaya, o presidente eleito, é um liberal "crasso", nada radical que queria convocar a população para possivelmente propor uma Assembléia Constituinte que trouxesse demandas democráticas mínimas para a miserável nação hondurenha. Sua postura liberal-conformista é evidenciada com sua reação extremamente patética frente ao golpe que sofreu: chora para Hilary Clinton daqui; corre para buscar apoio de sindicatos de outros países da América Central de lá; ameaça voltar ao país mas dá dois passos de volta ao ver no horizonte os homens-gorilas fardados; agora tenta implorar para que os EUA e alguns países da Europa (todos bastante resilientes no caso) não reconheçam as novas eleições propostas por Michelleti para o fim do ano... Enfim: sua agenda política como presidente eleito e as demandas democráticas que estava, friso, pensando em propor numa possível nova Constituição, não são nada pelo que valha a pena lutar muito ou se arriscar muito... (algo aqui tem cheiro de Jango). E estes fatores revelam o quão conservador é o governo ditatorial e, consequentemente, a burguesia local que está representada em cada distintivo. De resto, a indiferença norte-americana frente a situação também demonstra que tipo de vínculo os Estados Unidos guardam, historicamente, com essas oligarquias ultra-conservadoras de Honduras e que tipo de problemas realmente importam para o grande irmão do norte.

2 - Após os Estados Unidos, preocupados com a crise e os problemas muito mais urgentes que dela decorrem, terem se posicionado indiferentemente em relação aos cães-de-guarda da reação hondurenha que latem e rosnam contra demandas, repito, minimamente democráticas, a land of the free instala bases militares na Colômbia, num momento não só de crise do capitalismo, mas também (em conseqüência) de crise hegemônica do imperialismo norte-americano. Com Evo e Chávez, a hegemonia ianque pela primeira vez em algumas décadas, se vê enfraquecida na América do Sul. Lula, no Brasil, não declarou fogo aberto à Venezuela e à Bolívia (sobretudo depois dos grunhidos da direita ultra-conservadora brasileira frente à questão da Petrobrás com a nacionalização do gás boliviano), situação esta que duvido muito que teria sido a mesma com um tucanofascista como Geraldo Alckmin ("ídolo" da comunidade carcerária paulistana, dos sobreviventes do Carandiru e do PCC) na presidência do Brasil. Parece claro que o objetivo principal das bases na Colômbia não é a Venezuela, diretamente, mas o Brasil, o foco principal dos olhares beligerantes do imperialismo na América do Sul em termos históricos. Mas, obviamente estamos falando de olhares de controle e repressão contra atitudes políticas que dancem fora do rítimo do Capital Global.

De qualquer forma, se o momento é de crise estrutural e, portanto de impossibilidade de aumentar os mercados e os benefícios da classe trabalhadora, perder mercado ou disciplina fabril na América do Sul, o terreno seguro do imperialismo, não é nada interessante. Por isso o momento da crise na situação específica da América do Sul impõe uma escolha: romper com a hegemonia norte-americana e vê-la desabar de vez ou ajudá-la a manter, a duros custos, sua posição para, quem sabe, sair ganhando alguma coisa... isso se os EUA conseguirem sair ganhando antes, é claro!

Uribe escolheu a segunda opção. E pretende ficar um pouquinho mais na presidência da Colômbia, numa atitude que qualquer articulista da Veja há uns dois anos teria chamado de "bolivariana". (e mais uma vez a história prova que só a esquerda consegue terceiros mandatos sem precisar comprar votos). Assim este é o raciocínio de Uribe: "quem sabe 'depois da crise' eu e as oligarquias colombianas possamos ascender ao lado dos EUA!". Pena! A crise é irreversível. (Não há "depois da crise")! Chávez e Evo têm escolhido a primeira opção. Aliás a mais sensata!

Lula se mantém, como um bom liberal, neutro. Mas e os oportunistas? Imaginem, mais uma vez, Alckmin no poder (Mano Brown em Diário de um Detento fala sobre "Fleury e sua gangue nadando numa piscina de sangue". Imaginem que personalidade da política brasileira atual foi um dos líderes dessa gangue!). A postura neutra do Brasil quanto à Venezuela e Bolívia não é natural, mas partidária. Neste sentido, Alckmin no poder pode significar a declaração aberta da Venezuela e da Bolívia como inimigos nacionais (e quem sabe Coronel Ubiratã como ministro da defesa). (Devo frisar que Alckmin, por ser o Berlusconi brasileiro, é mais um exemplo extremo para mostrar a que sorte a política brasileira está lançada, independentemente de ser ele ou outro tucano mais "bonzinho" que concorra à presidência ano que vem).

3 - E justamente por ser a crise irreversível que hoje emerge a possibilidade de o capitalismo chinês (chamado com muito mau gosto de "socialismo de mercado") ser o modelo perfeito de Estado capitalista para as próximas décadas da história do mundo: um enxugamento radical dos "custos desnecessários" como previdência social, educação, saúde, etc. (veja-se o fracasso do programa de reforma da Saúde Pública do nosso querido Obama), para dinamizar a produção de bens, a circulação de capital financeiro às custas de mais repressão e cada vez piores condições de vida e trabalho. (Detalhe interessante: a Ásia representa cerca de 70% da classe trabalhadora do mundo).

Dizer que o modelo econômico capitalista dos EUA está obsoleto frente ao capitalismo chinês significa a perda da hegemonia ianque já na idéia, na abstração e não num ou noutro contexto concreto e específico. Por abstração e idéia quero dizer conceito. Por contexto concreto e específico quero dizer a manifestação da crise que podemos ver num lugar específico e num tempo específico. Neste sentido o imperialismo americano não está falhando neste ou naquele lugar específico do mundo, nesta ou naquela época histórica. É a própria idéia de imperialismo americano que está em crise (mas não no sentido pós-moderno de que agora vivemos um reino de liberdade e igualdade entre os povos, e sim no sentido de que isto representa uma tendência cada vez mais agressiva dos Estados Unidos para lutar contra esta crise do imperialismo). Ou seja, as crises hegemônicas "concretas" do globo (como a da América do Sul) não são acidentes, contingências, mas uma resposta necessária à crise que já existe na própria idéia de hegemonia/imperialismo norte-americano. Em suma: é só sentar e esperar as crises hegemônicas específicas e concretas pipocarem no mundo todo.

E não é isso mesmo que vemos acontecer agora no Japão? Creio que o Japão tenha tido um raciocínio similar ao de Uribe depois da II Guerra. E funcionou porque a crise de 29, de que foi resposta o Fascismo e a Guerra em geral, era uma crise conjuntural, solucionável a partir de uma simples expansão de mercado keynesiana.

Agora, com a impossibilidade absoluta de contornar a crise pelo modelo keynesiano, o Japão não precisa mais ser o pequeno akita do imperialismo norte-americano na Ásia. E Yiukio Hatoyama (premiê eleito pelo Partido Democrata do Japão que sobe ao poder depois de 55 anos de governo do Partido Liberal Democrático) já anuncia políticas de rompimento com os Estados Unidos e uma postura menos subserviente da política internacional japonesa frente aos EUA, principalmente estando a ilha ao lado da China! E é este o sentido da nova política externa japonesa: uma tendência a romper com os Estados Unidos e fortalecer laços com a (ex rival) China. (Um analista político chinês chegou a parabenizar a postura do novo governo japonês de não mais realizar a tradicional homenagem aos soldados mortos na segunda Guerra. Aliás, a rivalidade China e Japão, ideologicamente, é bastante sustentada pela imagem fascista da participação japonesa na segunda guerra. Este ato do novo governo só pode apontar para um novo alinhamento ideológico do Japão. E a parabenização do analista chinês como um indício de sucesso nesse novo alinhamento). Em suma: a hegemonia ianque no extremo oriente já era!

4 - Pobre Obama! A cada dia cai um problema pior no seu colo vindo das mais diversas partes do mundo. Com isso crescem as ameaças de morte.

É claro que isso não é culpa do Obama, mas a história americana nos mostra o que pode ocorrer com presidentes que não conseguem dar conta do recado. É mais ou menos como aquele dito popular: "não me importa se o pato é macho, o que eu quero é o ovo!". E Obama vai ter que se virar pra conseguir o ovo, independentemente de sua impotência frente ao momento histórico em que vivemos. (Os Kennedy's, por mais diferentes que sejam os detalhes da história, não conseguiram o ovo...)

Se as coisas continuarem a se desenvolver como tem sido a tendência até agora, das duas uma: ou Obama é um liberal com Causa (colhões) e irá até o fim passando por cima do medo de levar uma pá de terra pelo rosto, ou ele é um liberal como outro qualquer (por exemplo Zelaya ou Jango) e renuncia ao mandato abrindo caminho para algum Republicano insandecido - o comediante americano Bill Maher deu a análise precisa do que anda ocorrendo com a política partidária dos Estados Unidos: "Os Democratas deram um passo em direção à direita; os Republicanos deram vários em direção ao hospício" - tomar as rédeas do amálgama imperialista sino-americano ou berlusconiano.

Como bem disse Slavoj Zizek: só nós, comunistas, podemos salvar o mínimo de democracia que o mundo conquistou até agora!

3 comentários:

Fernando Marcellino disse...

Se, portanto, a crise do imperialismo é paradoxal já que mostra a necessidade dos EUA salvaguardar seu poder a todo e qualquer custo, quais poderiam ser as consequencias na Ásia?

Chrysantho Sholl Figueiredo disse...

Penso que, em primeiro lugar, começa a surgir uma certa tensão entre Ásia e Estados Unidos. Mas não vejo esta tensão como uma catástrofe, em princípio. Acho que se os Estados Unidos perdem influência política e econômica, ainda assim poucos em sã consciência arriscariam um conflito aberto com os EUA. Mas precisamente por isto, creio que a tendência é um amálgama, como disse, China-Estados Unidos... uma "ponte aérea" direta entre China e States num fortalecimento recíproco a partir da criação de um imperialismo meio monstruoso... Neste sentido, penso que a crise do imperialismo não representa a possibilidade do fim da hegemonia america, pura e simplesmente, mas a necessidade de sua reconfiguração radical pros próximos anos.

A única coisa é que este "salvaguardar o poder a qualquer custo" dos Estados Unidos não é bem a qualquer custo... Eles têm o PODER MATERIAL de fazer o que quiserem, mas não tem condições para isso, não podem iniciar um ataque bélico repentino sob pena de minar os próprios objetivos que buscam. Nesse sentido a tensão China-EUA: China é o modelo/EUA é a potência bélica.

Unknown disse...

Feliz de quem tem saco para discussões macro... hehe. passei por aqui, abraço amigão.